Edu: Tivemos um veto
ideológico em um time espanhol? Mais um.
Carles: Mais um? Salva Ballesta
causou confusão por onde passou ao longo da sua tumultuada carreira, é esse o
motivo, segundo a direção do Celta, para que não fosse contratado para a nova
comissão técnica do time.
Edu: Você acredita?
Carles: Não, parece uma desculpa,
mas responde a uma pressão de parte da torcida. E você, acha condenável vetar o
Salva Ballesta ou pior é o papelão do Abel Resino, que aceitou o posto de
técnico, apesar do veto a seu auxiliar?
Edu: Vamos só relembrar. Salva
é aquele ex-atacante que passou por vários times na Espanha e nunca escondeu
suas posições políticas. Comemorava os gols fazendo
continência, criticava abertamente os colegas que defendiam posições mais,
digamos, progressistas e democráticas e chegou a dizer que gostaria de conhecer
o Tenente Coronel Tejero, aquele que tentou um golpe de estado em 1981, que
ficou conhecido como 23F (23 de fevereiro).
Carles: Esse mesmo. Tampouco
tenho problema de dizer publicamente: não merece o meu respeito nem minha
solidariedade. Digamos que se fez uma espécie de ‘justiça poética’ com quem um
dia propagou o veto a Oleguer Presas, ex-jogador do Barça e do Ajax, justamente
por suas convicções ideológicas, progressistas. Oleguer, como Ballesta, é um
trabalhador de desempenho médio como muitos de nós e se consagrou mais pelos
seus escritos e manifestações contra o atual estado de direito e o
"imperalismo" central no território espanhol.
Edu: Não acho condenável o veto
ideológico, não. E ainda mais legitimado pela torcida, já que a reação da
comunidade é que provocou o veto. E no episódio
Oleguer, que questionou abertamente o Estado de Direito na Espanha em
uma passagem envolvendo o tratamento dado a um ex-condenado do grupo ETA, a
reação do tal Salva foi medieval. Ele disse na época que Oleguer não merecia
mais respeito do que 'cocô de cachorro'. De certa forma, tudo contribuiu para a
saída de Oleguer do Barça e até abreviou sua carreira no Ajax. Oleguer não era
um cara do meio futebolístico tradicional.
Carles: Não tinha celular, andava
numa kombi velha, figura romântica e, de alguma forma, vítima de um acosso
ideológico, esse sim, patrocinado por grandes grupos empresariais de
comunicação. Mas não me sai da cabeça a sua pergunta, mais um? Não consigo
lembrar de outros caso, talvez seja memória seletiva. Refresque minha
envelhecida memória, por favor.
Edu: Foi só uma provocação.
Também não me lembro. Lembro sim de várias passagens envolvendo manifestações e
posições políticas no meio futebolístico, o que é muito legal na Espanha. E,
infelizmente, muito raro por aqui. É claro que o nível de politização da
sociedade é o que pesa nessas ocasiões. Mas o pessoalzinho do futebol
tupiniquim é muito submisso e medroso para manifestar opiniões mais
comprometedoras, com pouquíssimas exceções.
Carles: Essa foi a alegação do
"muraço" José Ramón de la Morena ontem, na
Cadena Ser, de que o grande problema do Salva foi manifestar-se abertamente
e não as suas convicções. Isso vindo do
jornalista mais ouvido da rádio nacional (madrilenha) e teoricamente alinhado
com a ideologia progressista. Teoricamente.
Edu: Que é isso? Como se todo
mundo já não conhecesse o Salva. Aliás, seria bem melhor que o normal fosse se
manifestar como o Salva fez, para que o outro lado se manifestasse também. Para
que todos os lados se manifestassem, enfim. Tudo funcionaria melhor. Mesmo
assim, visto de fora, o que acontece na Espanha , e também na Itália, é bem
mais saudável do que aquele mundo de ETs da Inglaterra, por exemplo, que só têm
um caminho quando saem do assunto futebol: falar de periguetes, apostas e
carros. Ou como aqui, esta pasmaceira, onde falar de política, ou se posicionar
sobre o assunto, parece um disparate.
Carles: Realmente é assim, mas
tanto Itália e Espanha têm uma tradição de politização no entorno laboral, o
que inclui os trabalhadores do esporte. A questão é que, cada vez mais, esse tipo de posicionamento se torna incompatível com a grana
dos patrocinadores, ofende os capitalistas e seus interesses dentro do esporte,
o primeiro a abandonarem o barco do Oleguer quando da polêmica foi o seu
patrocinador de material esportivo pessoal, a Kelme. Ele recebeu o apoio da
maioria popular catalã e, finalmente, o patrocínio de uma empresa esportiva
catalã. Provavelmente, havia uma conveniência comercial naquele momento para
eles.
Edu: Nessa discussão sobre jogadores
politizados, acho que a gente precisa abordar um lado um tanto desolador: por
que a maioria, e incluo os poucos daqui que se manifestam, tem posições tão
retrógradas e conservadoras em relação a temas sociopolíticos? É só fruto do
meio em que vivem? É deficiência de formação? Veja os italianos: há sempre um
fascista que sai da toca e os progressistas são raros. Mas acho que é tema para
o segundo capítulo desta pequena série. Que tal?
Carles: Muito boa ideia, vou
tentar me manter isento durante a série, sei que posso, hehehe.
Edu: Tenho minhas dúvidas.
Carles: Eu também.
(*) Links de textos e áudios
que podem ajudar a entender melhor esta conversa:
Artigo do ex-jogador Oleguer Presas sobre o estado de direito
da nação espanhola (2007):
Reação pública de Salva Ballesta ao artigo de opinião de
Oleguer Presas (2007):
Em entrevista, Oleguer confirma que renunciou à seleção
espanhola (2012):
Entrevista de Salva Ballesta a “El larguero”, programa de
radio da Cadena Ser comandado por José Ramón de la Morena (18/02/2013):
Artigo em Público sobre o caso Salva Ballesta vetado pelo
Celta:
http://www.publico.es/deportes/450958/salva-ballesta-lo-unico-que-he-hecho-es-enorgullecerme-de-ser-espanol-y-eso-a-algunos-no-le-gusta
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