Edu: A
Fifa, quando se trata de regras do jogo, tem uma cautela que contrasta com a
agressividade com que fecha seus acordos publicitários - é terrivelmente lenta
para reagir. Essa história de que o futebol vive da polêmica alimentou os
argumentos do pessoal da Suíça durante décadas, como antídoto a quem defende o
uso da tecnologia para deixar mais transparente a aplicação das regras. Aí veio
a Copa da África e derrubou tudo, principalmente por causa do famoso gol do
Lampard que não valeu, contra a Alemanha. Então a Fifa descobriu que quatro
olhos enxergam mais que dois e colocou mais um árbitro em cada linha de fundo.
Veio a Eurocopa de 2012 e o tal árbitro da linha de fundo não viu um gol
claríssimo da Ucrânia contra a Inglaterra. E então...
Carles: A
polêmica como atrativo é desculpa esfarrapada, sabemos disso. Também é fato que
os velhinhos da Fifa resistem-se às mudanças. Mas, em matéria de dirigente
conservador, dizem que Platini (presidente da Uefa) faz o Blatter parecer uma Pussy
Riot. Monsieur Michel seria um dos mais resistentes a mudanças que parecem
irreversíveis.
Edu: O
fato é que agora decidiram que a Copa das Confederações e a Copa de 2014 terão
a tecnologia da linha do gol, o tal 'olho de falcão', sistema de câmeras que já
funciona no tênis. É um sistema de implantação bastante cara, mas inevitável
nestes tempos. E o simpático Platini, que obviamente esbravejou, justificou sua
resistência dizendo que 'um gol não vale tanto dinheiro'.
Carles: Está
claro que o Platini tem um escorpião na carteira. Agora, inclusive, as
condições econômicas dão certa razão a ele. Mas o principal meio de arrecadação
dos clubes segue sendo a televisão além de principal ponto de discórdia: todos
os fins de semana os telespectadores vem um jogo e os presentes no estádio,
incluindo juiz e auxiliares, outro. É querer fazer o ridículo. O ‘challenger’
ou ‘ojo de halcón’ acrescentou um espetáculo paralelo e bem emocionante. A
torcida acompanha a repetição e volta a vibrar com a jogada. Volta a torcer,
aplaude. Acho genial. E o fato de regulamentar os pedidos de verificação faz
com que se criem critérios, dosificando e aumentando a importância da
estratégia.
Edu: A
repetição detalhada de imagens é um recurso que os esportes americanos usam com
naturalidade há tempos e já foi incorporado na própria dinâmica do jogo. Um
torcedor hoje nem se incomoda de ter que ver interrompida a ação do jogo, desde
que a regra seja cumprida.
Carles: É a
sensação de justiça para quem saiu de casa, tomou chuva, vento, custou para
estacionar para ver seu time. Nem toda evolução passa necessariamente por
dispendiosos e mirabolantes recursos tecnológicos, os famosos sprays dos árbitros
brasileiros são muito admirados por aqui. É um recurso criativo.
Edu: Ao
mesmo tempo, a Fifa estará criando um problema sério, que talvez tenha sido a
razão de tantos anos de resistência à modernidade. Com esse precedente,
digamos, 'jurídico' do uso da tecnologia, como ficam as outras jogadas
polêmicas? E os impedimentos ajustados que decidem jogos? E o toque de mão
sorrateiro que resulta em um gol decisivo, como o de Henry contra a Irlanda nas
eliminatórias da Copa de 2010, que levou a França para o Mundial, eliminando os
irlandeses?
Carles: Para
o toque de mão, proponho uma junta de psicólogos para julgar se houve intenção
ou não (não é o caso do Henry). E a lei do impedimento, convenhamos, precisa de
uma reestruturação, é muito subjetiva e arcaica, o Futsal já deu exemplo. Ou
isso ou a solução segue sendo mesmo o recurso audiovisual, instrumento
utilizado com toda a comodidade pelos comentaristas e que poderia ser utilizado
ao vivo, como parte do jogo, uma espécie de tira teima. O problema volta a ser
o custo de implantação proibitivo para muitos, a curto e médio prazo. Mas os
grandes patrocinadores e as grandes empresas não têm problema de dinheiro,
vamos ter que passar o chapéu.
Edu: Até
concordo com você sobre mudanças estruturais que tornem a regra menos
subjetiva. Mas a tecnologia para lances corriqueiros, que acontecem quatro ou
cinco vezes por jogo, pode ser um desastre para os atrativos básicos do futebol
- ritmo, clima de tensão, dinâmica. Um gol duvidoso, se a bola ultrapassou ou não
a linha, é fato raro e pode ser resolvido facilmente com a tecnologia. Mas a
tecnologia em lances comuns transformariam uma partida de futebol numa novela
interminável, uma chatice.
Carles: Neste
caso, só vejo uma saída, a volta da honra ao campo de jogo. Lembra no futebol
de rua quando a gente resolvia tudo sem juiz mesmo? Parece impossível, mas a
verdade é que nada mais passa desapercebido. Mais cedo ou mais tarde, a
gravação de imagens realizada desde uma dúzia de pontos do estádio vai mostrar
que o jogador tentou enganar todo mundo. No fundo é uma questão moral da
sociedade que premia a esperteza, por cima da honradez.
Edu: Aí já
entra no departamento de sonhos. Honra nesse ambiente? Em todo caso, os
velhotes da International Board é que têm que encarar essa confusão. Vai haver
confusão, seguro que vai. Eles que se virem, ganham bem pra isso.
O
gol de Lampard contra a Alemanha que não foi:
TV francesa debate o gol da França
contra a Irlanda, com mão de Henry, pela classificação para a Copa 2010 e o uso da
tecnologia:
O
célebre lance do “no me jodas Rafa” durante o Zaragoza-Barcelona de 1996:
Como
os ucranianos viveram o lance em que John Terry tirou a bola de dentro da meta inglesa:
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