quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Marquês dos Nabos


Edu: Por que Marquês dos Nabos?
Carles: É o seguinte, o senhor Vicente Del Bosque, ao contrário do seu antecessor Luis “o Sábio de Hortaleza” Aragonés, sempre está disposto a receber homenagens, mesmo as mais insólitas.
Edu: E...?                    
Carles: Uma delas, na cidade de La Foz, realizada todos os anos pelos chamados ‘Amigos de  los Nabos’, em que surge um nabo pendurado, balançando, enquanto o homenageado faz um juramento. No final, ele beija o nabo.
Edu: Hummm...
Carles: Sério, coisas da Espanha profunda. Obviamente ele recebeu homenagens mais importantes, mas esta marcou, pelo pitoresco da coisa. Aí, Como Del Bosque recebeu do Rei Don Juan o título de marquês, acabou virando o Marquês dos Nabos. Está aqui a cena da homenagem: Vídeo homenaje de la Cofradia de los Nabos a Vicente Del Bosque
Edu: Muito bom.. excelente!
Carles: É uma confraria, uma espécie de associação com fins culturais, para manter as tradições e essas coisas.
Edu: Pois então... Sempre tive reservas quanto ao Marquês dos Nabos como treinador. Achava que era supervalorizado, daqueles técnicos que distribuem a camisa e ficam no discurso do ‘vamos lá, façam o que vocês sabem fazer’. Como contou Ronaldo Fenômeno, em seu tempo de Real Madrid, a preleção dele dura dois minutos, se tanto. Que técnico hoje em dia consegue falar só dois minutos?
Carles: Ele... Nem acho que seja tão ruim assim, não se caracteriza precisamente pelos fracassos, na verdade. Florentino Peres (presidente do Real Madrid) sugeriu quando o demitiu que o motivo da sua saída não seria seu trabalho, mas por falta de uma imagem à altura o clube, mais vendável.
Edu: É claro que precisa se levar em conta que o time da Espanha tem oito titulares do Barcelona. Ou seja, não foi ele que montou a estrutura. E os que completam são o goleiro (Casillas) e o Sérgio Ramos, eventualmente um volante (Xabi Alonso). Ah, e um lateral, Arbeloa, que não conta. É como se jogassem com dez. O que ele precisaria fazer? Ensinar Xavi e Iniesta a dar um passe?
Carles: Mas treinador ensina?
Edu: Ah, muito treinador se mete a ensinar, e às vezes precisa mesmo. Por exemplo: ensinar o Sérgio Ramos e o Arbeloa a cruzarem uma bola na área...
Carles: Acho que o Sérgio Ramos até aprendeu uma porção de coisas. O Arbeloa? É, compadre, não conta.
Edu: Então, mas mudei meu ponto de vista ultimamente. Acho que o Marquês será logo, logo chamado de o Sábio de Salamanca.
Carles: Ironia? Também reconsiderei porque ele não era santo da minha devoção. Se ser sábio é "saber estar" e dirigir um grupo, acho que pode ser sim.
Edu: Não, não, nada de ironia. Ele foi muito lúcido numa entrevista que deu por aqui, no sorteio da Copa das Confederações. Disse, entre outras coisas, que o jogador deve acreditar que ele é o protagonista, não o técnico. E ponto final. É um antídoto contra Mourinhos. E, se existir justiça divina, contra Felipões...
Carles: Na verdade era um dardo com endereço certo. Ele foi para o Brasil com a intenção de dar um puxão de orelhas no Mourinho, do jeito dele, claro, com uma certa elegância. Ele foi injustiçado e muito maltratado pelo Real Madrid, que, aliás, é especialista nisso. E nunca perdeu a candura, nem a elegância.
Edu: Justamente por essa candura eu achava que ele poderia ser tudo, menos técnico de futebol. Mas vi que por trás daquela aparência impávida - parece um Obelix no museu de cera - tem um cara lúcido, conhecedor desse tipo de gente que frequenta o futebol e que deve passar essa impressão aos jogadores...
Carles: Você não acha que a revisão das nossas e de muitas opiniões sobre o Marquês está relacionada com a chegada do anticristo Mourinho à Liga? Quer dizer, a comparação com Mourinho fez com que reconhecêssemos os méritos e as habilidades sociais do Del Bosque.
Edu: Pode ser, se bem que qualquer comparação com o Mefisto Mourinho é covardia. O que é certo é que um time como a Espanha de hoje precisa mesmo de um Del Bosque. Ainda gostaria de vê-lo mudando a estratégia num intervalo, com uma derrota de 2 a 0 nas costas. Mas tudo bem.
Carles: Ele pode não ser um grande estrategista, mas ultimamente andei percebendo certa coerência nas mudanças. Acho que, por ser um cara polido, foi entrando meio devagar na seara alheia. O time foi formado pelo Luis Aragonés e o Marquês demorou para sentir que era dele agora. Andou combinando pontas de jogo profundo com atacantes bons pelo alto, porque no começo trocou um pouco as bolas. Tirava o Navas ou o Alba e, ao mesmo tempo, punha o Llorente pra jogar. Mas ainda não entendo algumas manias como a de insistir no quase sempre sonolento  Negredo.
Edu: Mesmo assim, acho que ele encontrou o equilíbrio ideal para um técnico que deve interferir o menos possível quando o time sabe jogar. Depender só da interferência do técnico é uma desgraça para o futebol. Ainda mais quando o técnico interfere de qualquer jeito, quando precisa e quando não precisa. Vamos ter uma mostra disso no jogo do Brasil, hoje. Esteja certo...
Carles: Tenho a sensação de que você acha que o Del Bosque brilha pela ausência.
Edu: Hummm.. um pouco isso
Carles: Entendo, é a cultura do futebol brasileiro, de técnicos pouco iniciados nos aspectos táticos, a escola do motivador puro, não é isso?
Edu: Motivador puro é pouco para treinar uma Seleção, você não acha?
Carles: Nessa mesma linha, o Coutinho não teria sido um injustiçado, justamente por não ter sido um motivador puro?
Edu: Cláudio Coutinho? Também não precisa ser um teórico puro. E ele pedia para o Tarciso, ponta que jogou no Grêmio, fazer um overlapping com o lateral... O Tarciso concordava com um sinal de positivo, todo animado, e na jogada seguinte não fazia nada. Nem tinha ideia do que era aquilo.
Carles: Então o problema é que o homem não era legendado, né? Outra curiosidade minha sobre treinadores brasileiros é a história do João Saldanha à frente da seleção. Você me esclarece?
Edu: Hoje, ou outro dia? Melhor outro dia né? Saldanha merece uma papo mais longo.
Carles: Tomei nota.
Edu: Por enquanto, fiquemos com o cordato Marquês.

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