sábado, 16 de fevereiro de 2013

Tradição e camisas com vida própria


A tradicional indumentária dos 'milionários' do Rio da Plata
Carles: Você lembra quando a camiseta do seu time era imaculada, imutável? Hoje é praticamente uma obrigação o desfile prêt-à-porter no início de temporada. Ainda tem torcedor que resiste às mudanças, ao ver o Timão de roxo, por exemplo?
Edu: Roxo não, porque parece que já desistiram, não estão mais no mercado oficial. Mas há variações de cinza que estão fazendo sucesso, se bem que o Corinthians neste momento é uma exceção por causa dos títulos que ganhou em 2012. Tudo que entra na loja vende. O fato é que alguns clubes por aqui lançam duas novas camisas por ano, deve estar valendo a pena.
Carles: Uma tradição no futebol europeu é tentar manter a linha da camisa principal, na medida do possível, e causar surpresa com o lançamento de duas novas, com desenhos um tanto espantosos - a habitual segunda, para eventualmente poder contrastar com um adversário de uniforme parecido, e outra para torneios especiais. Mas aí surge outro componente decisivo no futebol, a superstição. Basta o time perder um ou dois jogos importantes na Champions para a camisa ficar meio encostada. Aconteceu este ano com o Real Madrid e a camiseta verde.
Edu: Isso de manter a tradição temos por aqui também. Mas basta o rival fazer algo diferente para mudar tudo e o clube também lançar uma novidade. Se bem que, no fundo, é uma estratégia do fabricante. O clube entra na onda e o torcedor vai junto. Quando a camisa não vende, discretamente é retirada de circulação. Mas o design das camisas de futebol evoluiu demais, algumas são realmente muito bonitas.
Juve e Udinese pelo 'calcio'
Carles: É possível que o fator decisivo seja, no final das contas, as vendas. E parece que, como nas roupas de passeio, a indústria têxtil impõe a cada temporada um tom que se repete e repercute pelo mundo inteiro. Recordo em determinada época ter sido complicado para o Corinthians impor um segundo uniforme todo preto e, entretanto, mais recentemente quase todos os clubes tiveram uma versão desse estilo. Tivemos o ano do rosinha, que o Getafe adotou por aqui, mas que o Palermo italiano sempre desfilou por Europa. Ou aquela fase das fosforescentes, do Borússia Dortmund ao Chelsea.
Edu: A rosinha do Palermo é o típico caso de tradição arraigada mesmo, e por isso aceita por todas. Mas a Juventus de Turim tem um modelo rosa que é um desastre, virou piada para os rivais. E alguns casos de tradição são estranhos. A camisa escura do Real Madrid, preta ou azul, é a antítese da própria imagem institucional do clube, os merengues. Mas são camisas muito bonitas e imagino que vendáveis...
Carles: Muito menos que a tradicional, a branca, campeã absoluta de vendas.
Edu: Mesmo caso do Santos, que inventou uma camisa azul turquesa.
Carles: Estava aí quando eles estrearam, incluindo, se me recordo bem, a desclassificação nas semifinais da Libertadores, não é isso?
O "glorioso" Karanka vestido de Athletic de Bilbao
Edu: Não sei se ficou estigmatizada pela derrota, mas continuam usando.
Carles: Houve alguma reação negativa. Outro caso por aqui de amor e ódio foi quando o Athletic de Bilbao voltou às competições europeias e decidiu honrar a tradição do Museu Guggenheim lançando uma camiseta com manchas de "tinta" vermelha, insinuando alto relevo.
Edu: E a torcida? Como reagiu?
O camaronês Eto'o
Carles: Mal. Mostraram que a vanguarda artística eles preferiam reservar para o âmbito do museu, mesmo. Na Catedral (Estádio San Mamés), eles queriam as faixas verticais que tanto caracterizaram a garra os Leões. Por falar em garras, você se lembra do uniforme de Camerun, 'rasgado' pelas garras dos Leões Indomáveis?
Edu: Aí já entra no terreno do exótico.
Carles: Olha, eu achei inovador, arejada inclusive.
Edu: No fundo, o torcedor é que é um sábio e maneja bem essa história de tradição e de respeito aos símbolos. É inadmissível ao torcedor do River Plate ver o time com uma camisa que não tenha a faixa diagonal. Como o vascaíno e mesmo o torcedor da Ponte Preta. O Vasco já fez alguma tentativa sem a faixa, mas não colou.
Carles: Lembro-me disso, é um grafismo forte demais, apesar das possíveis restrições estéticas. Diria mais: uma faixa diagonal em qualquer outra peça gráfica é automática e mentalmente vinculada ao esporte, sobretudo ao futebol e ao rúgbi.
Edu: Verdade, tem a cara do rúgbi.
O exótico goleiro mexicano Campos.

Carles: O design fortíssimo da camiseta de ‘los  xeneizes’ (Boca Juniors), na verdade, está associada a esportes mais elitistas como o polo ou o próprio rúgbi.
Edu: Mas ganha outra conotação com o Boca. É como o Peñarol, que tem uma camisa idêntica às usadas nos campeonatos 'da firma' aqui em São Paulo. Mas, vestida pelos jogadores do Peñarol, no Estádio Centenário lotado, têm vida própria, puro magnetismo.
A mística Laranja Mecânica
Carles: Mas se você vai à 25 de Março comprar aquele pacote com as camisetas para o seu time de bairro não vai voltar com camisetas brancas, tem que justificar a viagem né? Quer mais impactante que amarelo e preto?
Edu: Tem que chamar a atenção.
Carles: O fato é que a camisa é a cara do time. Na hora de reivindicar qualquer coisa, o torcedor logo diz ‘é preciso defender as cores do clube’. É o mais importante. Em alguns casos, como no caso das seleções Azzurra, Celeste, Canarinho, Laranja Mecânica... esses simbolismos superam qualquer outro tipo de identidade.

Um comentário:

Juliano Metz disse...

Muito legal. Não gosto destas camisas berrantes modernosas, mas sempre tenho vontade de adquirir um camisa da Holanda simplesmente pela cor dela (talvez nunca tenha comprado porque também me vem a imagem de um time que amarela e morre na praia). Teve também a camisa sem mangas de Camarões que foi proibida. O principal problema das camisetas atuais é o acabamento, cobram pelo menos R$ 180,00 em uma e sequer fazem o escudo do time bordado, tudo estampado e descartáve