Edu: Até tivemos algumas experiências por aqui, mas não
deram muito certo. Pergunto: funciona mesmo bem esse esquema dos times B do
Barça e do Real Madrid disputando a Segunda Divisão, a tal Liga Adelante?
Carles: Nem sempre as 'filiais' dos grandes times do futebol
espanhol estão na Liga Adelante, que é o nome comercial da Segunda Divisão.
Neste momento, tal e como os times principais, ambos são bem competitivos. O
sistema funciona relativamente bem e prepara os jogadores para subirem. Graças
à dureza e seriedade da Liga Adelante, normalmente os meninos conseguem estar
prontos para competir no caso de serem chamados pelos treinadores dos times de
cima. Mas não é sempre que os clubes investem e prestigiam seus times B ou C.
Edu: Então existe uma conexão obrigatória com a Comissão
Técnica do time principal? Porque, parece, o Mourinho não tem nenhuma química
com a turma que trata da 'cantera' em Madrid. Imagino que seja uma tradição de
todos os times espanhóis, mais uma faceta da Espanha profunda. Não teria muito
sentido fazer bons times de base e não existir essa conexão.
Carles: Deveria existir, mas depende da gestão e do tipo de
organograma estabelecido pela direção. No caso do Madrid, Mourinho exigiu ter o
controle sobre as divisões inferiores, mas acabou trombando de frente com
Alberto Toril, ex-jogador e atual treinador do RM Castilla (o Real Madrid B),
muito querido dentro do clube. Simplesmente Mou desqualificou publicamente o
trabalho de Toril, alegando que não pode contar com seus jogadores, pois não
existe uma comunhão de objetivos no clube e que a filial não estaria seguindo a
linha de preparação e orientação adequadas às necessidades e filosofia do time
principal.
Edu: De todo jeito, os times B têm autonomia para ir ao
mercado buscar jogadores jovens? Como o Castilla fez com o Casemiro, por
exemplo. Quem define essa contratação? O Mourinho ou o Toril? Ou será o
presidente?
Carles: Na prática ou na teoria?
Edu: Nas duas...
Carles: Os clubes contam com uma secretaria técnica, gente
responsável por viabilizar a contratação de jogadores para a 'plantilla'. A
cadeia de comando varia de um clube para outro e de uma gestão para
outra. Houve um tempo em que se colocavam panos quentes quando se
contratava um jogador de prestígio por capricho do presidente. Ultimamente fica
bastante evidente que, por exemplo, o Benzema e o Kaká foram contratações do
Florentino. Esse é sempre um ponto de atrito dentro do clube inclusive no que
se refere aos times de base. Como conversamos o outro dia, Mourinho chegou a
barrar alguns jogadores dos times de base para poder promover outros, de origem
lusa e teoricamente ligados ao Mendes, representante de Mourinho e de
alguns jogadores. Expliquei?
Edu: Só fiquei sem saber quem contratou o Casemiro... Mas
tudo bem porque seguramente ele não vai agradar ninguém, nem Toril, nem
Florentino, muito menos Mourinho. A não ser que mude completamente seu padrão
de comportamento técnico. A questão é que essa diferença de filosofia em
relação ao Barça vai se distanciando. O Barça cada vez mais próximo do Barça B
e o Madrid cada vez mais divorciado da estrutura do Castilla. Explica muita
coisa...
Carles: Esse pode ser um motivo para que o Casemiro acabe não
emplacando e se for por esse motivo parece-me até justo, o problema é quando
fatores de outro tipo acabam sendo decisivos. Acontece que hoje os dois times B
são muito fortes. Eu, pessoalmente, até acho que o Real Madrid tem alguns
valores individuais muito interessantes na ‘cantera’. O problema é a diferença
no plano de carreira traçado para esses garotos em cada um dos clubes.
Edu: Será que o Real Madrid só terá o devido carinho pela
'cantera' quando o treinador do time principal for espanhol?
Carles: Pode ser mas, suponho, será uma luta inglória da mesma
forma, já que o imediatismo e a urgência de bons resultados, pela recente
escassez de títulos, faz com que o clube da capital tenha que fazer
contratações de impacto e por isso acabe relegando os jovens. O peso dessa
responsabilidade é muito grande para a moçadinha. No caso do Barça essa
promoção é feita de forma mais lenta e gradual. Mais pensada. E isso garante
uma porcentagem maior de acerto.
Edu: Contratações de impacto não são necessariamente um
mal. O pior é desprezar essa ideia muito legal do plano de carreira, que
poderia fornecer um pessoal de suporte para os craques que vierem de fora. Como
o Barça já fez algumas vezes. É bom lembrar que o time que promoveu a grande
virada do Barça na década passada tinha dois cracaços de fora - Gaúcho e Eto'o –
enquanto a rapaziada de 'la Masia' fazia mais de coadjuvante, inclusive Xavi e
Iniesta. E até o técnico era gringo, Rijkaard... A verdade é que o plano de
carreira devia constar das reivindicações trabalhistas dos jogadores daqui.
Seria um passo gigantesco para a modernização do futebol brasileiro.
Carles: Verdade, mas acho que nem eles nem os jovens
espanhóis têm esse tipo de consciência. No caso do Barça, por mais que desde
fora se despreze a ideia, além dos vínculos naturais ao clube que também
existem no Madrid, existe o apego territorial. Não quero com isso transformar
esta conversa numa bandeira independentista, mais uma vez, mas ressaltar que é
um valor adicional, fundamental para fortalecer esses vínculos nas duas
direções. Esse apego territorial vai mais além do local de nascimento como no
caso de Iniesta, originário de Castilla la Mancha mas radicado na 'Masia' desde
menino onde recebeu os valores ‘blaugranas’.
Edu: Em todo caso, depois pode me cobrar sobre o Casemiro
e a falta de preparo pessoal dele para triunfar na Europa. Aliás, estreou
tomando 3 a 1 do Sabadell ontem.
Carles: Vou tomar nota e prestar especial atenção nele.
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