Carles:
Domingo, dez da noite, temperatura abaixo de zero no País Basco, Real Sociedad
e Betis fazem um jogo sensacional, intenso, com seis gols e muitas
alternativas. Onde fica a tal bipolaridade, então?
Edu:
Não vi, mas acredito. O que já assisti de Real Sociedad e Betis neste ano foi
bastante animador. Mas não tem a ver com a bipolaridade, vai me desculpar.
Embora os dois tenham feito jogos complicados contra Barça e Madrid, estão
longe de ameaçar, mesmo a longo prazo. Ainda assim, é um fato reconfortante.
Esse time da Real Sociedad tem bons detalhes e muita ambição ofensiva. Fora a
história do clube, que é fantástica.
Carles:
Eu não me referia à possibilidade de conquistar os títulos, que esse é um confronte entre talões de cheque. Mas ao entusiasmo por ambos estarem cumprindo objetivos
acima das próprias expectativas, disputar postos europeus e não renunciar a um
jogo vistoso e competitivo, como nos velhos tempos. Definição do que foi a
partida, no dia seguinte.
Edu:
Esse mérito eles têm. E acrescento ainda o Rayo Vallecano, outro que está ali
na zona da classe média (com Valência, Málaga), incomodando bastante. E o que é
melhor jogando sem muitas amarras, buscando o gol, sem aquele conservadorismo
do Málaga, por exemplo.
Carles:
Essa é a diferença. Málaga e Valencia são presas do compromisso de classificar-se
pelo menos, logo atrás dos grandes. Times como Real Sociedad, Betis e Rayo
Vallecano, que há pouco tempo estiveram na segunda divisão, têm um compromisso
menos ambicioso, o da permanência, e por isso permitem-se ser menos
conservadores. Mas isso não desmerece a opção de seus treinadores pelo bom jogo
e certo risco. Os jogos de Valencia, Málaga e também do Sevilha não deixam de
demonstrar certa covardia, mesmo.
Edu:
A questão é quanto isso vai durar. Terminada a Liga, os dirigentes dão uma
chacoalhada geral, vendem os principais nomes e pronto. Começa-se do zero outra
vez. Leo Batistão, o atacante brasileiro, já está de saída do Rayo, certo? E
Isco, fica no Málaga? Quem sabe só a Real mantenha sua base, porque é um pouco
a filosofia do clube basco. E o Betis deve segurar o técnico, que parece ter
propostas interessantes, Pepe Mel.
Carles:
A Real tem um plantel mais homogêneo, a estrela, Griezmann, divide protagonismo
com o mexicano Carlos Vela e o veterano Xavi Prieto. É bem provável que
Batistão deixe o Rayo rumo ao Atlético, até porque eles precisam disso para
sobreviver na seguinte temporada, mas o segredo é voltar a comprar jogadores
desconhecidos e prometedores. É o carma dos orçamentos pequenos da Liga. Considero um trabalho de garimpo muito
interessante. Algo que o Sevilha realizou durante anos de forma brilhante e
colheu fabulosos resultados, incluindo títulos importantes.
Edu:
Bom, o modelo básico de gestão para times médios e pequenos não muda em país
nenhum do mundo: toda força à 'cantera', média de idade baixa no time titular e
contratações de jogadores com potencial, nunca os mais badalados. O resto é com
o técnico. Pelo jeito, os dois - Montanier na Real e Mel no Betis - seguem uma
cartilha progressista e arrojada.
Carles:
Principalmente o francês da Real. Curiosamente os dois estiveram a ponto de ser
despedidos no ano passado. Apesar do modelo, são poucos os que conseguem fazer
um bom trabalho. Insisto nos anos em que
o Sevilha fez isso com êxito. A estrela do time era o diretor esportivo,
tremendo garimpeiro, o ex goleiro Monchi. E não Kanouté, Luis Fabiano, Renato,
Daniel Alves, Keita, jogadores que ele trouxe por preços muito acessíveis.
Edu:
Nesse sentido, o Brasil ainda está a anos luz do modelo europeu. Os olheiros
por aqui - e são milhares - ainda trabalham como na década de 1970. As
indicações e amizades valem mais do que aquilo que o cara vê tecnicamente. E a
qualificação do olheiro também é um drama. Mesmo assim, de vez em quando surge
um time médio consistente, com esse padrão de gestão, como o Figueirense de
pouco tempo atrás. Mas é bastante raro. E acaba logo.
Carles:
Se não me engano, o Vitória e o Sport também foram exemplos disso, ou estou
enganado?
Edu:
O Vitória tem um histórico respeitável de formação, assim como o Bahia, de onde
saiu alguém que vocês conhecem bem, Dani Alves. Mas o Sport já assumiu os
vícios de muitos clubes do Sul, gosta de contratar veteranos famosos para mesclar
com suas revelações. E acaba, no fim das contas, privilegiando os nomes, não os
garotos.
Carles:
Nessa mesma linha teríamos que destacar o Boca Juniors, que domingo estreou um
garoto, um tal Juan Román, conhece?
Edu: Um
'chiquitin' de 34 anos. E foi enquadrado por um dos piores times do campeonato, o
Union: 3 a 1 em pleno La Bombonera. Foi a primeira vitória do Union em quatro
rodadas do Torneo Clausura.
Carles:
Pois é, parece que ‘los xeneize’, Riquelme incluído, perderam o rumo numa certa
noite de julho do ano passado, no Pacaembu.
Edu:
Estou certo disso, mas somos suspeitos...
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