Carles:
O nosso amigo Felipão é um testador compulsivo de volantes? É algum trauma da
infância?
Edu:
Traumatizados ficaremos nós, Carlão. A cruz é bem mais pesada do que a gente
imaginava.
Carles:
Realmente não é muito animador. O mundo do avesso, a Itália com a posse de bola
e o Brasil à base de contra-ataques.
Edu:
Bizarrices. A Itália pressionando, tocando a bola, conduzindo o jogo. E o
Brasil só na recarga. E para piorar o técnico tira o sujeito que lançava o
contra-ataque, Oscar. Acabou o jogo. Juro que faço um exercício diário de boa
vontade para entender e digerir algumas coisas da Seleção, do Felipão, do
Parreira, enfim, do cenário que temos aí. Entendo que é um início de trabalho,
mas sou obrigado a reconhecer que é muito exercício a essa altura da minha
vida. Não dou conta.
Carles:
É muito pouca ambição, passar 90 minutos esperando o erro do adversário. E por
falar em erros, voltamos a considerar o interesse do Bayern por Ralf,
provavelmente para deslocar Javi Martinez para a zaga. O Dante não inspira confiança,
inspira? Ou foi só um mau dia?
Edu:
Ele joga bem mais do que aquilo, ainda mais no Bayern. E foi muito elogiado
pelo Felipão no jogo contra a Inglaterra. Mas nem culpo os zagueiros, porque
ali no meio foi o mais completo caos. Não tem coisa mais contraproducente do
que o cara ter como filosofia blindar a defesa, o que traz um custo altíssimo
para o resto do time, e no fim das contas não consegue blindar nada. Mas aí já
sacrificou mais um jogo, já envolveu todos os jogadores nessa confusão e falta
de ideias. Foi um mau dia do Dante como foi do Felipe Luís, o tal Fernando,
Hulk e tantos outros.
Carles:
O cara parou no tempo, definitivamente. Já nem é o caso de adotar uma filosofia
defensiva, mas a forma como ele propõe (se é que propõe alguma coisa). Sem
nenhuma mobilidade, à base de multiplicar cones por trás da linha da bola. Além
do mais transmite uma insegurança nas próprias possibilidades da equipe. E fica
esperando pelos lampejos de Neymar.
Edu:
Prandelli, o técnico italiano, que considero um ousadíssimo personagem do
calcio por tentar mexer naquela estrutura monolítica de jogo defensivo - do
contrário nunca teria perdido de quatro numa final de Eurocopa - disse,
espertamente, antes da partida, que o Brasil ainda era sempre favorito por ser
o time mais imprevisível taticamente. ‘Imprevisível’ é uma maneira delicada de
dizer ‘caótico’ e, ao mesmo tempo, diplomática de jogar a responsabilidade para
o outro lado. Mas, taticamente, foi um bailado italiano, o tempo todo. Júlio
César foi o melhor do Brasil
Carles:
Não sei se vimos as mesmas entrevistas. Viu a do Parreira, exibida antes do
jogo? Qual é a função real dele? Porta-voz? Capataz?
Edu:
Desde o início me pareceu que o Parreira está ali numa função retórica e ao
mesmo tempo deprimente, um para-raios, o que aliás já aconteceu com o Zico em
1998, à sombra do Zagallo. Certamente não será ele que dará o desenho tático,
embora tenha uma obsessão por volantes bem parecida com a do Felipão. Tampouco
é um cara de aparar arestas com os jogadores. Por enquanto, quase quatro meses
depois da esdrúxula demissão do Mano Menezes, ele só confirmou o que
imaginávamos da 'nova' comissão técnica: não acrescenta nada, rigorosamente
nada que seja transformador. Mas não vi essa entrevista, o que ele disse?
Carles: O
tempo todo procurou passar uma sensação de segurança, dizendo que eles não têm
um plano B, o plano é chegar à final e não perder outra Copa em casa. Tentando
demonstrar uma postura firme e segura muito pouco crível. Exibiram a entrevista
logo após a do Prandelli, que também acompanhei, insinuando que ‘ao Brasil o
que é do Brasil, o favoritismo’.
Edu:
A proposta deve ser mesmo esta de posar como o 'pensador', o sábio da Seleção.
Como o Felipão é bastante tosco em matéria de articulação, aí vai o Parreira,
poliglota, com aquela postura olímpica, e despeja suas imagens com grife de
quem já foi campeão do mundo. Papel bem deplorável...
Carles:
Foi clara a intenção de não expor o Felipão, por isso perguntei sobre o papel
do Parreira. E agora? Imagino que esse jogo não serviu muito para fortalecer a
situação da comissão frente à oposição de grande parte da torcida. Ou não é
assim, a torcida está dividida?
Edu:
A torcida está sempre dividida em matéria de Seleção, mas como houve uma blitz
festiva da mídia para dar suporte ao Felipão no início, talvez a desilusão seja
proporcional - muito maior do que no
tempo do Mano. A questão é que, como você bem sabe, o brasileiro médio conhece
futebol mais do que tudo. Não há idiotas nesse tema. Neste país, o sujeito pode
fabricar um produto e vender gato por lebre, ludibriando muita gente por muito
tempo. É assim em muitos segmentos. Mas se o assunto for futebol, ai de quem
quiser enganar o consumidor. E tem esse gravíssimo fator que você destacou:
tudo isso expõe os jogadores de forma cruel.
Carles:
Bom, para o apreciador de futebol fica uma boa notícia, a tradicionalmente
mesquinha Azurra tentando e conseguindo fazer bom jogo. Que volte o bom Brasil
é sempre mais provável. Imagino que a última chance é que não se obtenha um bom
resultado na Copa Confederações. Seria uma solução dolorosa, mas uma solução.
Porque perder outra Copa do Mundo em casa seria quase irrecuperável para o país
do futebol.
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