Edu:
Você acha que a gente consegue falar da falta de humor no futebol sem fazer
nenhum discurso marxista de que na mais valia não há espaço para gente bem
humorada?
Carles:
Podemos tentar. Na verdade tenho outra visão menos politizada do mau humor no
futebol.
Edu:
Então, melhor, não temos a mesma visão. Porque eu acho que o primeiro motivo de
tanto mau humor é o sistema de relações que leva à pressão de mercado. E à
pressão da mídia, que também é mercado.
Carles:
Em última instância, o motivo é esse mesmo, mas podemos falar de aspectos mais
superficiais e não menos importantes. Impossível mesmo é referir-se ao mau
humor sem falar de Mourinho nem de Felipão. E, claro, do Dunga tampouco.
Edu:
Nem de Ferguson. E os jogadores, então? Quando você viu pela última vez Messi,
Iniesta e Cristiano sorrindo? Fazendo um gol não vale.
Carles:
Iniesta sorri dentro das suas possibilidades. Cristiano mais que Messi. Porém,
Messi teve a infância roubada. Fica difícil sorrir para isso.
Edu:
Então você defende a tese de que o cara que teve uma infância anormal fique
purgando isso para o resto da vida? Mesmo ganhando 2 milhões de euros todo mês
para fazer o que gosta?
Carles:
Não, o Messi não teve uma infância anormal, ele deixou de tê-la, assinou um
contrato de gente grande com o Barça aos 14 anos de idade (lá vem o mercado!).
O famoso contrato assinado num guardanapo, diante do Carles Rexach.
Edu:
Sim, entendi. Mas isso é motivo para perder o humor pelo resto da vida?
Carles:
Não deveria, depende da maturidade emocional de cada um. A pressão sobre Xavi Hernández
está longe da que sofre o Messi, mas temos que reconhecer que é uma cara na
plenitude da maturidade emocional. Contrato milionário não é desculpa, não. Tem
muita gente com salário mínimo e com pressão muito maior.
Edu:
Um contrato milionário para o cara fazer o que gosta. Que mais ele quer na
vida?
Carles:
Exatamente, então você concorda: é uma questão da forma como essas
circunstâncias se assimilam.
Edu:
Temos aí então que o jogador de futebol, que é jovem quase sempre, é por
princípio um imaturo emocional, o que não deixa de ser um preconceito bastante
básico. Isso porque todos são mau humorados, com as devidas exceções, muitas
das quais viram quase caricatura. E bom humor, claro, não é fazer piada. Mesmo
os jogadores brasileiros, que têm fama de alegrões, estão num mau humor só -
até porque tem gente que proíbe os caras de dançar quando fazem um gol.
Carles: Qual
é o preconceito? Não entendi. Falei em falta de maturidade emocional que nada
tem a ver com a idade e sim com a estruturação afetiva, que tem muito que ver
com a família e amizades próximas.
Edu:
O preconceito de que todo jogador de futebol, ou quase todos, é um imaturo
emocional. Porque todos, ou quase todos, tem o mau humor como característica,
defesa, reação contra a mídia, contra o mercado, sei lá mais contra o quê. E
apoio familiar ou desestruturação familiar é da vida, de qualquer um de nós,
não é coisa restrita a um jogador de futebol só porque tem fama.
Carles:
A deles é visível, está na mídia, mas ninguém está isento. E eu discordo quanto
à sua generalização. Tem muito jogador que demonstra seu prazer de jogar e não exala
mau humor. Agora, o aparente mau humor pode ser resultado de uma postura
defensiva. Existe a visão desde os clubes de que a imprensa está sempre em busca
de carniça e isso coloca suas estrelas em guarda permanente, não acha?
Edu:
Não estou falando aqui de prazer de jogar, coisa que, aliás, Messi tem até
demais, basicamente todo jogador tem. Trata-se de uma profissão que o cara
abraça porque gosta. Estou falando de bom humor como comportamento pessoal, de
bom astral, de ausência de crispação, de leveza de espírito. É impossível, por
causa da pressão? Pode ser. Mas aí voltamos à dúvida do início. Por que há
tanto mau humor no futebol?
Carles:
Sem analisar o modelo social fica difícil seguir encontrando possíveis respostas.
Mas prefiro insistir em que essa não é a minha impressão, pelo menos de forma
generalizada. A sensação da privacidade invadida, em geral diretamente
proporcional à fama, é algo incômodo. Por outro lado, os grandes clubes
poderiam rentabilizar os seus psicólogos especializados em esporte que, ao
contrário de mostrar a alegria de poder desfrutar dessa oportunidade única que
a vida lhes deu, procuram maximizar a necessidade de competir, criando super
egos.
Edu:
Pensei que pudesse ser uma questão humana, digo, de relações humanas. É
impossível ter bom humor com Mourinho ou Ferguson como chefes, ou o próprio
Felipão quando está com a macaca. Há os colegas chatos, a imprensa 'mala', as
obrigações formais, a rotina pentelha de celebridade e, em meio a tudo isso,
treinos, concentração e jogos tensos. É tudo muito pesado para o cara que é
jovem e saudável, com hormônios fervilhantes e pedindo liberdade, ser um modelo
de descontração e bom senso. É carga emocional? Claro que é, e muito mais. Mas
então, Carlão, no fim das contas, o principal motivo será aquele mesmo que
temíamos ao começar a conversa: o poder do mercado. O negócio fala mais alto.
Não vejo outra explicação.
Carles:
É uma questão humana. Só que pouco ou nada relevante para os gestores do negócio.
3 comentários:
e o muricy? deve entrar aí na lista dos mal-humorados...
e o pelé? acho super bem-humorado....! (lá, do jeito dele... pelo menos parece) por que seria, então?... porque entra na categoria gênio até nisso?
Muito bem lembrado, Denise.
O Muricy nem merece estar numa prosaica lista - tem um espaço só dele na trajetória dos maiores ranzinzas do século 21 em todas as áreas do conhecimento humano.
E o Louis van Gaal?
http://1.bp.blogspot.com/-TqqOe2PEp7Y/TsTu1sxMM9I/AAAAAAAAAPQ/cgsPkwUG8Qc/s1600/louis+van+gaal+ajax+bayern+munich.jpg
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