Edu:
Aquele medo que tínhamos de que os pontas autênticos tinham sumido do futebol,
principalmente na década de 1990, com a evolução dos sistemas de marcação que
privilegiavam a centralização do jogo, parece que foi superado. Que grande time
hoje não tem pontas de verdade?
Carles:
Chegar ao fundo com velocidade, evitando adversários e fazer cruzamentos para
que os atacantes possam receber de frente para o gol é virtude exclusiva de
alguns futebolistas e possivelmente continuou presente todo o tempo. O que
felizmente vai acabando no futebol e no resto das coisas é a especialização, a
antítese da ambição.
Edu:
Talvez seja essa a razão de a maioria dos jogadores, hoje, não se definirem
exatamente como 'pontas-direitas' ou ‘pontas-esquerdas’ e sim como atacantes
que jogam pelos lados do campo.
Carles:
Pensando bem, ter duas peças (o
ponta-direita e o ponta-esquerda) entre um total de dez (os goleiros ainda não
estão aptos, enquanto Guardiola não decidir) para fazer uma única jogada com
leves variações, durante 90 minutos, era mesmo um desperdício.
Edu:
O que não poderia ter acontecido - e aconteceu por um bom tempo – foi o fato de
se abrir mão incondicionalmente do ponta, que era exatamente taxado de
'especialista' no pior sentido. Embora o ponta especialista ainda exista aos
montes. Tem um caso claríssimo na 'Roja', o sevilhista Jesus Navas. E temos
aqui uma das grandes promessas do futebol brasileiro, Bernard, do Atlético
Mineiro. São extremos de ofício, que às vezes entram em diagonal, mas podem
tranquilamente ser chamados de ‘pontas à moda antiga’.
Carles: Não
me vêm à cabeça melhores exemplos. Modélicos da nova era do ponta mas que, para
revigorar a posição, foram obrigados a oferecer mais aos seus treinadores e
equipes. Vi o Bernard dar boas assistências desde variadas zonas do campo e o
Navas jogar de interior, essa posição meio campista tão daqui, com considerável
competência e qualidade. E se o tema é desperdício, seria bastante inútil
desaproveitar a vocação deles para desempenhar uma função clássica e romântica numa
época em que ganha mais quem oferece uma maior variação de jogo. Impossível
falar de pontas autênticos e esquecer dois nomes: um pela direita, o maior de
todos, praticamente inventor da posição, o Mané. Consagrado como driblador
veloz e cruzador, mas quem o viu jogar lembra que quando fez outras funções
mostrou o porquê de continuar sendo considerado um dos grandes da história do futebol.
Pela esquerda, Jonas Eduardo Américo, o Edu do Santos, fantástico, sensacional, mesmo
torcendo por outras cores, eu esperava ansioso que a bola chegasse naquele
ponto do campo. Porém, convenhamos: era o típico monocórdio, não?
Edu:
Era monocórdio e ganhava jogos. Nos casos de Edu e Mané, ganhavam campeonatos.
O importante que considero na figura dos pontas é a importância fundamental de
ocupar um pedaço do campo que costuma ser vital em partidas difíceis, com
poucas chances de gol, envolvendo times com esquemas mesquinhos de jogo.
Quantas vezes uma jogada prosaica de linha de fundo, com cruzamento rasteiro
para trás, não decidiu um jogo complicado? E aí nem depende dos nomes, qualquer
um pode fazer. Um técnico que se preze nunca pode deixar de incluir esse tipo
de lance em seu cardápio de prioridades. Seria burrice.
Carles:
Burrice recorrente, diga-se de passagem, porque quem tem, tem medo. Grande
parte dos treinadores prefere assegurar o emprego, protegendo determinadas
zonas, a permitir que o seu time tenha essa profundidade essencial.
Edu:
Pois então que os técnicos brasileiros se liguem, meu amigo. Felipão
especialmente. Há muito que o Brasil vive de laterais ocupando as pontas -
desde os bons tempos de Cafu e Roberto Carlos. Por outro lado, mesmo times que
não têm pontas de ofício, como Corinthians e Fluminense, sempre situam
atacantes por um ou pelos dois lados. E tem dado certo. É muito básico para que
os treinadores ignorem essa possibilidade.
Carles: E é bom lembrar esses treinadores (apesar de
que eles, como gestores de um grupo humano, deveriam saber disso melhor que
ninguém) que abrir mão da especialização deve ser compensada pela multifuncionalidade.
No caso, altamente recomendável, de não adotar peças fixas por essa zona, a
ocupação deve ser ora pelos atacantes, ora pelos meio campistas, ora pelos
laterais, sob o risco de cobrir a cabeça do santo para descobrir os pés ou, na
melhor das hipóteses, perder o fator surpresa. O certo é que, cada vez mais,
reforça-se a ideia de que pode até não ter ponta tradicional, mas técnico
inteligente é, cada vez mais, imprescindível.
2 comentários:
Só um adendo: os amigos não mencionaram Jairzinho, um dos mais emblemáticos ponteiros "híbridos" do futebol no Brasil. E poucos perceberam, até agora, que Lucas carrega características bem parecidas: arranque, drible de corpo em velocidade e com a bola adiantada,corte para os dois lados e chute forte cruzado. Só falta levantar mais a cabeça para ler melhor o jogo.
Aqui a monocultura Neymar é tosca e impede de ver outros talentos em formação e, possivelmente, mais eficientes taticamente.
Muito bem lembrado, Antonio. Somemos, pois, mais esses dois nomes à legião de marginais, exemplares chegados desde as margens do planeta futebol.
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