Carles: Você imagina o motivo que leva um grupo
considerável de japoneses a se apaixonar pelo Valencia, por exemplo?
Edu: São vários episódios que mexem com a
afetividade e a identidade pessoal no futebol: um jogador que se destaca
mundialmente, a identificação com a cultura local, uma campanha do time que
chama a atenção em determinado ano. No caso dos japoneses, consumistas
contumazes do esporte, trata-se de um povo que viaja bastante, que tem uma
cultura cosmopolita e que, no fim, adota alguns ícones afetivos. E o futebol
é prato cheio para eles. Como são a
música, o cinema, além de outros esportes como o automobilismo.
Carles: Verdade, turismo ainda é a melhor lição de
geografia, mas também a melhor forma de conhecer as diferentes culturas.
Concordo que a perspectiva dos japoneses com relação a outras culturas é quase
sempre aberta, uma visão cosmopolita. Nesse aspecto, as culturas europeias talvez
pudessem aprender um pouco com eles. O turismo cresceu muito nos últimos anos por
aqui, alcançou cifras incríveis nos anos de bonança que antecederam a atual
crise. Mas sinto que o europeu, muitas vezes, segue viajando, mesmo aos lugares
vizinhos, como quem vai a um aquário, mantendo sempre uma parede de cristal
entre ele e as demais culturas.
Edu: Não que os asiáticos não sejam um pouco
chauvinistas também, do seu jeito bem mais discreto. Mas encaram essas
atividades globalizadas de uma maneira bastante aberta, não têm pudor de gastar
uma fortuna para assistir uma semifinal da Champions apenas pelo prazer do
espetáculo, como atração turística mesmo. E se ‘contaminam’ com outras
culturas.
Carles: Tem o outro lado da moeda, a forte consciência
e capacidade de preservação das próprias raízes, que por vezes também inclui a falta
de empatia, reforço inevitável dessa fama que os europeus carregam, de serem pouco
tolerantes com o resto das culturas. Será que o torcedor europeu, e não me
refiro à Europa periférica, deixa-se seduzir pelas cores de um time de uma cultura longínqua ou simplesmente as ignora?
Edu: O europeu padrão, imagino, faria isso pelo
seu time do coração ou pela seleção de seu país e olhe lá. Uma pesquisa, séria,
assinada pela EBS, European Business School, da Alemanha, que não foi divulgada
na íntegra porque é uma encomenda privada, revelou que os 'aficionados sin
fronteras' do tipo clássico são fanáticos, com características totalmente
consumistas, daí grande parte vir da Ásia. São 42 milhões de pessoas nos cinco
continentes que gastam uma grana preta todo ano com as várias formas de consumo
do esporte. Mas inclui gente de todas as culturas, muitos europeus também, que
simplesmente gostam de futebol e têm dinheiro para gastar.
Carles: Impressionantes números. Inexplicável o
montante de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento declarado pelas grandes
indústrias se, afinal, as melhores ideias costumam surgir informalmente, na
sociedade “civil”. Enquanto isso, os grandes grupos tratam de arrebatá-las,
fazer um bonito pacote e colocá-las no mercado.
Edu: Pois é, agora o projeto é patrocinado por
uma grande empresa que se interessou pelos hábitos desse tipo de torcedor 'universal',
que tem uma preferência básica local mas que 'adota' o Manchester, o Barça, o
Madrid... E consome produtos desses clubes a ponto de programar viagens anuais
para ver jogos decisivos da Champions por exemplo.
Carles: Claro… faz tempo que não desfilo nenhuma das
minha camisas alvinegras por aqui… Penso naquelas cenas ambientadas na zona subsaariana
e todas as suas carências, com suas gentes vestindo camisetas do Barça ou do
Madrid, absolutamente desconectados da própria realidade. Bálsamo ou
analgésico, nesse caso?
Edu: Esse sujeito não é considerado ativamente
pela pesquisa porque a estatística prevê um gasto anual mínimo. Neste caso,
acho que eu também estou fora… Bom, na verdade, todos os que assinamos tevê a
cabo e compramos algumas publicações de alguma forma estamos incluídos entre os
‘sin fronteras’.
Carles: Provavelmente esse grupo, digno de estudo, é
o que move a roda que também carrega outros tantos, incitados, ao menos, a
comprar uma camisa de um desses clubes com um potente trabalho de marketing
global. Esse mercado de formiguinhas certamente também é importante para os
grandes fabricantes de roupa esportiva. Além, é claro, do mercado paralelo que
nem sei se é tão indesejável assim para as marcas oficiais, já que “cria”
necessidades de consumo. Qual é o objetivo real desse movimento e/ou pesquisa, fomentar
o consumo ou criar uma grande comunidade?
Edu: Acho que as duas coisas...
Carles: Uma coisa não impede a outra, claro.
Edu: Essa comunidade pode até ter surgido de
forma espontânea no começo, uma ação turística como tantas outras. Aí os caras
que não são bobos nem nada detectaram um interesse espacial e passaram a
investir nesse público.
Carles: As panorâmicas das câmaras de TV pelo Camp
Nou costumam comprovar o grande número de torcedores asiáticos presentes nas
arquibancadas. E eles têm razão mesmo, só quem gosta de futebol e já presenciou
um espetáculo desses ao vivo sabe o prazer de ser parte dele, pelo menos uma
vez.
Edu: Para quem é aficionado e viaja todo ano ao
Exterior, seja de que país for, é normal que inclua em sua programação um jogo
de futebol, uma visita a um estádio, pelo menos. Esse é o consumidor autêntico
sem fronteiras. É bom ressaltar que estamos falando de 42 milhões de assíduos,
sem contar os não assíduos. Na pesquisa, a estimativa de gastos de todos os
'sem fronteiras', chega a 35 bilhões de euros por ano... 'Menuda' indústria
essa!
Carles: E tem também a típica encomenda da camiseta,
da caneca, do chaveiro quando o amigo ou primo vai viajar. Essa indústria
muitas vezes acaba por inflacionar e privar o torcedor local. Na última rodada
da Champions, enquanto a entrada mais barata na Espanha se comprava por volta
dos 300 euros, na Alemanha saía por 100. Como dizia um vizinho ‘tem gente que
come mortadela e arrota peru’.
Edu: É o lado perverso, Carlão. Enquanto existir gente
que pague os 300 euros, azar do resto.
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