Carles:
Já faz alguns posts que batemos na tecla da incompetência técnico-tática que
assola o futebol brasileiro. Pelo visto, a aparente crise que sobrevoa e ameaça
principalmente o desempenho da seleção chamada a vingar o desastre do
"Maracanazo", já bate no pescoço e começa a preocupar a sempre aparente
inconsciência dos meios especializados. Imaginemos só por um minuto uma
situação hipotética. Se hoje, num arroubo de irresponsabilidade dele e
improvável responsabilidade dos dirigentes, meu amigo Pep decidisse dirigir
essa nave sem destino certo, como você acha que reagiria a cornetagem oficial
pátria?
Edu: Deveríamos
dividir a cornetagem entre duas prateleiras, porque teríamos tipos de reações
com diferentes graus de ira. A mídia de um modo geral e os torcedores
influenciados de alguma forma pela visão oficial poderiam até ficar indignados
no primeiro momento, mas tenho convicção de que aceitariam mais tarde,
convencidos pelos fatos. Mas os técnicos nacionais e seus ‘amiguetes’ na
imprensa e em outros grupos serviçais teriam acessos de fúria, com raras
exceções. Aliás, quando da queda de Mano Menezes, o que levou à especulação da
contratação de Guardiola antes de ser anunciado o Felipão, muitos já rodaram a
baiana, numa demonstração obscena de corporativismo.
Carles:
E esses contatos com Guardiola, o que você acha que tiveram de verdade? Ele
mesmo brincou um pouco com essa história, em cima do mito de morar em
Copacabana.
Edu: Foi
uma grande patetada, uma conversa sem pé nem cabeça publicada por um jornal
daqui sem nenhuma fonte confiável. Nunca houve confirmação de um contato com o
agente de Pep. Mas o lado grotesco desse episódio de corporativismo foi que os
mesmos treinadores que se mostraram inconformados com quem defendia a
contratação de um técnico internacional (que se resumia a uma pequena parte da
imprensa) nunca saíram em defesa do colega e profissional que acabava de ser
vítima de uma manobra que tripudiou sobre questões básicas de ética trabalhista.
Tanto que a conversa da CBF com o Felipão tinha começado muito antes de Mano
Menzes ser demitido. Não me lembro de ter ouvido nenhum técnico indignado com
isso, defendendo a classe, exceto o Muricy, que não foi explícito, mas disse
sutilmente que Mano foi injustiçado.
Carles:
E se fosse um "patrício"? Você sabe, né? Tem um português fazendo de
tudo para ser despedido e receber uma polpuda indenização. Como seria recebido?
Imagino que as habituais piadas como com quase tudo seriam muito mais fáceis
ainda, pela origem do dito cujo.
Edu:
Ah, não tenha dúvida. E o mais inacreditável disso tudo é que nenhum técnico,
em nenhum momento de lucidez que fosse, teve o bom senso de sequer sugerir que
a experiência de um ou mais treinadores europeus no Brasil seria uma forma
importante de intercâmbio. A limitação da média dos treinadores brasileiros
atinge as raias do bloqueio emocional de tal forma que ninguém percebe quanto seria
importante conhecer uma nova cultura naquilo que é a maior fragilidade do futebol
brasileiro de hoje: evolução tática, percepção das pequenas ciências do jogo,
estratégia enfim.
Carles:
Eu tenho para mim que a maior das perdas do Brasil nos anos de obscuridade foi
na área de educação. O resto é quase consequência. Bom, não contei nenhuma novidade.
O maior obstáculo, no entanto, quando existe um desequilíbrio educacional,
acredito, é o reconhecimento da necessidade de aprender. Não vejo que a saída desse
labirinto seja tão fácil de encontrar. Quem é que vai ser capaz de romper essa
dinâmica? Pelo que você está me contando, não existe disposição de mudança nem
da própria classe implicada, nem por parte de jornalistas e muito menos desde a
direção nacional do esporte.
Edu:
Não existe nenhuma análise de fundo e não existe, antes de mais nada, interesse,
o que é pior. É como o sujeito que resiste aos avanços da tecnologia o quanto
pode até descobrir que não se fabrica mais o videocassete. Aí vai atrás da
modernidade como um alucinado, mas já não tem base cultural para isso. Nas
poucas tertúlias televisivas sobre esse tema da capacitação de treinadores, invariavelmente,
a certa altura do debate, o técnico entrevistado afronta o jornalista um pouco
mais crítico: 'Mas como você pode saber mais do que eu se nunca esteve lá
dentro?' Aí acaba a conversa. Tenho a impressão de que os treinadores
brasileiros - salvo as exceções honrosas de sempre - estarão permanentemente correndo
atrás do rabo.
Carles:
É o típico protecionismo de quem, no fundo, reconhece a própria defasagem. A
posição agressiva é, na verdade, uma forma de defesa. Só não entendo porque
treinadores jovens não sentem inquietude por se aperfeiçoar, mesmo pela
distorção que a globalização informativa gera, os modismos que todo mundo
repete mecanicamente. Sou o primeiro a abominar o colonialismo, mas sempre é
benéfico, pelo menos, tentar observar influências positivas. De forma crítica,
mas tentar beber de todas as fontes.
Edu: E não há alternativa, a não ser pela iniciativa
pessoal. Só mesmo um técnico com capacidade crítica suficiente para se autoavaliar
teria o desprendimento de reconhecer que precisa avançar, estudar,
aperfeiçoar-se. Mas está longe de acontecer com as muitas ‘divas’ brasileiras
desse meio.
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