terça-feira, 4 de junho de 2013

A ‘Roja’ que veremos no Brasil


Edu: Vi hoje umas imagens da apresentação do time do Marquês. Aparentemente, a mesma 'Roja' de sempre virá ao Brasil. Os inimigos de Barça e Madrid se reencontram e se transformam, sem aquela crispação dos clássicos. É um grupo carismático, que consegue ter aquela aura de campeão sem precisar de máscaras. Mas não consigo deixar de ver ali um time, hoje, bastante acomodado, tenho minhas dúvidas se veremos aqui a melhor Espanha, competitiva e vencedora.
Carles: Os rapazes da seleção não deixam de ser uma amostragem representativa de uma geração desacostumada a lutar e, por isso, um pouco fria. Isso não se aplica só aos jogadores de futebol, mas é praticamente um traço comum a todos os espanhóis dessa faixa de idade. Não só pela opulência em que cresceram, mas também porque seu posicionamento diante da vida é justamente o oposto às anteriores, sofridas e por isso dramáticas, normalmente dispostas a tudo, a todo tipo de sacrifício.
Edu: Você me diz, então, que do alto dessa frieza sociocultural da era pós-franquismo pode se esconder um furacão esportivo que só emerge nas horas importantes?
Carles: Pouco provável. Essa geração é menos visceral e mais racional, recebeu o aperfeiçoamento técnico e acadêmico que não tiveram as anteriores. Parece que a tal "sangre caliente" ficou no passado. A ‘Fúria’ ficou em algum lugar de uma história cheia de improvisações, para sorte do futebol bem jogado e prejuízo daqueles momentos em que a raça parece a única solução. Temo que, quando o talento escassear, não vai ter como compensar com, digamos, paixão. É assim com jogadores, com engenheiros, arquitetos, pesquisadores, etc.
Edu: Tem lógica, mas oferece um perigo quando se trata de futebol: no caso de um desempenho que não agrade, ou nas Confederações ou nos próximos jogos das Eliminatórias, não vai faltar quem diga que se trata de soberba, arrogância, e não de temperamento. O torcedor em geral não tem essa condescendência e parte da imprensa muito menos. E essa postura pode ser confundida também com desinteresse. É um final de temporada, o pessoal está esgotado, alguns vieram de um ano extenuante no aspecto de convivência pessoal, como os jogadores do Real Madrid. E a Espanha vai fazer uma odisseia pelo Brasil na primeira semana. Joga no Recife, desce para o Rio e volta ao Nordeste, em Fortaleza, para enfrentar a Nigéria.
Carles: Hummm, para chegarem bem estropiados à final? Seria ideal para o Brasil, ganhar da campeã do muno no "novo" Maracanã. Ótimo para a direção a CBF, para a comissão técnica, para a organização da Copa, para os negócios. Ah não, esquece, impossível, foi a mão inocente do Alex Atala quem sorteou os jogos. Está tudo certo.
Edu: Fiquei sem saber qual 'Roja' veremos no Brasil, mas suponho que seja algo semelhante ao que aconteceu na última Copa das Confederações, na África do Sul, quando a desclassificação na semifinal não pareceu afetar ninguém. Talvez seja essa frieza dos bem-nascidos jogadores do Marquês. Então, concluímos que discursos como o do Sérgio Ramos, que lembrou ser este o único título que falta ao time, ou de Iniesta, afirmando que seria 'magnífico' enfrentar o Brasil numa final no Maracanã, são meras artimanhas para distrair um pouco a imprensa espanhola?
Carles: Também pode ser parte de um processo de relaxamento de quem ganhou todos os campeonatos importantes dos que participou até aqui. Essa condição afasta a tensão competitiva que você e muitos outros reclamam, pelo menos até que esse time perceba que as vitórias não chegam naturalmente e, pior, que os principais jogadores envelheceram. Por outro lado, na anterior versão da Confederações, o compromisso era bem menor. Agora, eles têm que defender um campeonato mundial e o bicampeonato europeu. Mais cedo ou mais tarde, a ficha vai cair e aí eu tampouco sei responder qual será a reação, ou menosprezar o título, como uma conquista menor, ou começar a desconfiar das próprias possibilidades. E a imprensa esportiva espanhola não precisa ser distraída, ela é mais cega que o torcedor mais fanático.
Edu: De certa forma será diferente e estimulante ver esse time daqui por diante com esse o olhar sobre uma 'geração da opulência' que você destaca. O torcedor brasileiro comum, que em princípio adora o futebol espanhol, talvez não tenha essa leitura e fique decepcionado se a 'Roja' não encantar como das outras vezes. Mas não importa. Sempre haverá uma explicação glamourosa para quem é campeão mundial.
Carles: Não acredito que os jogadores espanhóis tenham total consciência dessa admiração do torcedor brasileiro. Garanto que seria um estímulo suficiente para um esforço adicional, para extraírem o máximo de si mesmos e tentarem ultrapassar os limites circunstanciais, durante o torneio. Isso sem deixar de recordar que o título de melhor do mundo tem data de vencimento, quatro anos e fica tudo zerado. E já se sabe, rei deposto… é república na certa!
Edu: Já, já voltamos a seu assunto preferido, a monarquia...

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