Edu:
Apesar da sua meia porção brasileira, você também é daqueles que ficaram um
tanto chocados com o barulho feito pelo séquito do Neymar, né? Como seus
conterrâneos...
Carles:
Não sei se a palavra exata é "chocados". O pessoal andou achando
engraçado, mas por enquanto é tudo alegria e vale tudo. Quero ver se, ao
primeiro sinal de baixa produção, todas essas excentricidades não começarão a
disparar as críticas. Já vi esse filme. Outro aspecto é que a comitiva do
Neymar, assim como ele, parecia um grupo de adolescentes chegando a uma festa
vespertina de aniversário. Nenhum sinal de prepotência, por isso, a maioria das
impressões foi de grata simpatia. Os mais meticulosos detectaram que se trata
de um grande produto de marketing. Não lhes nego a razão.
Edu:
Foi a impressão que eu tive - essa, da 'descontração do bem' -, lendo os
jornais esportivos da Catalunha, que são tão especialistas em espuma quanto os
de Madrid. Mas fora de Barcelona já viram algo de semelhante ao entorno de
Ronaldinho Gaúcho, que terminou sendo bem nocivo nos últimos tempos de Barça.
Mas é preciso deixar bem claro que uma coisa é o staff e outra, o séquito.
Carles:
E no caso de Neymar?
Edu:
Neymar tem séquito e staff, que se dão bem, todos, e estavam por aí na
apresentação. Mas quem vai acompanhar o Neymar em sua aventura catalã real é o
staff direto - a família, um ou outro assessor e seu 'faz tudo' pessoal,
Eduardo Musa. A moçadinha que foi fazer festa será eventual. Nesse ponto,
Neymar tem uma vantagem em relação ao Gaúcho, que, na minha visão, foi muito
prejudicado pelas posturas do irmão, um sujeito um tanto instável para ser
representante oficial, na verdade, tão adolescente e deslumbrado quanto o
próprio Ronaldinho. Por outro lado, a família do Neymar não pode ser mais
politicamente correta do que é.
Carles: E
por falar em musa, a consorte já chegou causando algum burburinho na
arquibacada.
Edu: Fiquei
sabendo, mesmo.
Carles: Não
posso evitar enxergar o outro lado dessa questão. O de um garoto qualquer de 21
anos que emigra por questões profissionais, e que compensa o distanciamento das
próprias raízes com a possibilidade de novas descobertas, de um maior
desenvolvimento pessoal graças ao conhecimento de outras culturas. Sei que no
caso de uma megaestrela do futebol até parece um delírio, mas é uma pena que eles
não tenham a oportunidade de se integrar de verdade, limitados pela presença
permanente de um enorme ‘backstage’. Sinal dos tempos. Que eu me lembre, quando
Raí jogou no PSG, ele ia treinar de metrô. Poucas chances de encontrar o Neymar
na ‘Línia Taronja’ do metrô de Barcelona,
né? Funciona muito bem.
Edu:
Nenhuma chance. Só que vejo uma outra diferença fundamental em relação ao
padrão de estrela superprotegida: o próprio Neymar. É um cara bem ligado, nada
de politizado, mas ligado no ambiente em que vive. Se você descontar o período
normal de adaptação que qualquer um de nós teria que passar, a integração vai
depender diretamente do trabalho dele, da recepção dos colegas, dos sinais
sociais que ele for recebendo. Há três anos, quando Neymar tinha 18, teve uma
discussão áspera em campo com Dorival Jr, então técnico do Santos. Foi uma
postura bastante arrogante do garoto. Naquela noite, Renê Simões, que era
treinador do Atlético de Goiás, rival do Santos no jogo, fez a famosa
declaração: 'Estamos criando um monstro'. O próprio Neymar, conforme as coisas
foram caminhando e diante da repercussão negativa de sua atitude, encarregou-se
de mudar essa imagem a tempo, claro que com forte apoio familiar. Mas de certa
forma desconstruiu rapidinho o possível rótulo de arrogante e prepotente. Foi
uma vitória pessoal e tanto para um menino quase imberbe, num momento de forte
adversidade, que poderia definir o destino da carreira dele.
Carles:
Neymar, pelo seu caráter e pela sua condição de candidato a mito, pode ilustrar
bem a mais contemporânea das lutas interiores, presente sobretudo nos astros do
esporte mundial. Como há um tempo aconteceu com Rafa Nadal que, apesar de
negá-lo publicamente, esteve se debatendo entre permanecer no pedestal que
staff e patrocinadores trataram de construir sob seus pés ou descer de lá para se
divertir como qualquer moleque faria. Em muitos desses casos, sinto que a
arrogância acaba sendo como uma capa protetora contra a humanização, uma
debilidade que, parece, eles não podem se permitir.
Edu:
Nadal é um desses astros que parece ter mergulhado de uma forma tão brutal no
aperfeiçoamento técnico que as outras atividades viram uma rotina perfeitamente
suportável. A diversão é o melhor argumento para justificar a dedicação
profissional. Tivemos um ídolo brasileiro com perfil bastante semelhante,
Émerson Fittipaldi, um sujeito que nunca se transformou com a ribalta em função
de sua profunda veia profissional, sua procura pelo aperfeiçoamento. Por isso
digo que Neymar tem que se dedicar com tanta ênfase ao trabalho e à superação
das muitas dificuldades profissionais e de integração que virão, para que esse
entorno platinado não seja nefasto.
Carles: A prova definitiva disso tudo começa no próximo
2 de agosto, primeiro dia do resto da vida de Neymar.
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