domingo, 31 de março de 2013

Com quantos 'grossos' se faz um grande time


Carles: Arbeloa teve o privilégio de não entrar em nenhuma das seleções escaladas por jornalistas, jogadores, torcedores ou treinadores, mesmo sendo titular da seleção campeã da última Eurocopa. Ultimamente até os próprios companheiros de seleção parecem questionar o ‘salamantino’, compadre do Marquês. Isso me fez pensar na figura clássica do "grosso do time" e recordar jogadores como o Luciano "Coalhada", meio-campista daquele time corintiano que quebrou o jejum de títulos na década de 1970 ou Paulo, um ponta tático, parte do campeoníssimo tricolor paulista daquele mesmo período, repleto de craques. Quem mais carregou essa cruz ao longo da história?
Edu: Muitos ‘grossos’ entraram para a história. O time considerado o melhor de todos os tempos, a Seleção Brasileira de 70, tinha um lateral esquerdo sério, que até funcionava bem na marcação, mas destoava de uma forma pornográfica do resto do time quanto à capacidade técnica: Everaldo. Era bastante tosco - no que lembra muito o Arbeloa - e mesmo assim entrou para a história daquela seleção impressionante. Aliás, outro ‘grosso’ participou da campanha do tri, embora nem todo mundo concorde comigo: o goleiro Félix, bastante fraco.
Carles: Everaldo “Garrastazu Medici”? Uma lembrança cheia de significado para o post de hoje, 31 de março…
Edu: Pois é, o patriota Everaldo era orgulhoso conterrâneo daquele presidente de pavorosa memória.
Carles: A presença do Félix “Papel” estendeu pelo resto do planeta futebol o mito bastante próximo à realidade de que os grandes times brasileiros sempre deveriam ter um goleiro abaixo da crítica. Taffarel mesmo, responsável direto por algum título, não chegou a despertar paixões por aqui. Se bem que a geração seguinte ao gaúcho conseguiu desmentir por algum tempo essa meia verdade.
Edu: Quanto ao Luciano Coalhada, a parte incrível da história é que ele chegou ao Corinthians na pior época, longa fila sem títulos... Era lento, sem vibração, meio 'pasota' como o Benzema. Destoava em tudo do time que vivia da garra e da entrega. Nem número certo tinha. Jogava com a 5, com a 7, chegou até a vestir a 10 que foi de Rivelino. Mas persistiu, apesar de todas as gozações. No fim, se não virou ídolo, caiu na graça da torcida por causa de sua tranquilidade e por ter feito um campeonato honesto quando o time saiu da fila em 1977.
Carles: Isso confirma que às vezes uma peça adequada tática ou socialmente acaba sendo mais favorável que um craque. Voltando à Seleção Brasileira, a maioria dos espanhóis em particular sofreram quase tanto como os brasileiros com a injusta desclassificação do time do Telê na Copa de 1982, mas não evitam um certo  "cachondeo" quando lembram a presença de Valdir Peres e Serginho Chulapa naquele time.
Edu: Eu já acho que o Chulapa foi um pouco injustiçado. É claro que destoava pelo contraste, porque tinha ao lado Falcão, Zico e Sócrates. Mas poderia ter sido um bom complemento para aquele time. Já o Valdir, Deus me livre. Nós aqui também estranhamos que o Capdevilla fosse titular da ‘Roja’ campeã do mundo, mas parece que ele sempre foi muito querido por vocês...
Carles: Não permanecerá na minha memória futebolística, garanto. Ele entra no grupo de jogadores que ajudam no ambiente social, acabou favorecido por uma certa carência de laterais esquerdos então e por ter marcado alguns gols decisivos durante as eliminatórias. Como se costuma dizer por aqui tem gente que prefere ‘ser cola de león que cabeza de ratón’. Temos que admitir que o Arbeloa tem que ter um enorme ego para suportar essa situação.
Edu: Tem e muito, além do respaldo do chefe. Mais ou menos o que aconteceu quando tivemos que suportar na Copa de 2010 o Felipe Mello como titular absoluto do Dunga!! Alguém fez um levantamento na época e o único jogador que o Dunga não havia mexido em algo como 20 partidas seguidas era o Felipe Mello. Ou seja, para o treinador da Seleção Brasileira, era Felipe Mello e mais dez. Deu no que deu.
Carles: Grande Mello… atual companheiro de Drogba e candidato à Champions League, enquanto ele não decidir fuzilar o Muslera. Pior assim porque, ainda que o futebol brasileiro possa não estar vivendo o seu melhor momento, tinha de onde o Dunga tirar melhores opções. No caso do Alvarito Arbeloa, por mais que quebremos a cabeça, não sobram possíveis substitutos. A chegada do paradigma Jordi Alba à história do futebol espanhol habitualmente voluntarioso fez-nos sonhar com uma reconversão também para a direita, mas o tal Juanfran derrubou nosso castelo de cartas e voltamos à realidade do burocrata Arbeloa. É a maldição da direita espanhola.
Edu: Mesmo assim, me permita uma liberdade abusada: ainda prefiro um time com dois ou três grossos e alguns craques do que um conjunto de bonzinhos e medianos, sem ninguém que chame especialmente a atenção, um solista, um grande tenor. Como a Seleção Brasileira de hoje em dia.
Carles: Sem dúvida. Tudo menos ‘aburrimiento’.

sábado, 30 de março de 2013

Futebol e Dadaísmo


Carles: Em uma entrevista com Rivaldo quando esteve jogando em Angola, a jornalista Rut Vilar da revista Líbero não pôde deixar de relacionar as queixas dele próprio quando esteve em Barcelona, com as de Cristiano Ronaldo em Madrid recentemente, declarando que não se sentia feliz. Considerando que os jogadores de futebol não são um exemplo de consciência social nem laboral e muito menos os citados exemplares, até que ponto existe uma relação entre inconsciência e felicidade no entorno do trabalho profissional?
Edu: Não sei exatamente que jogador foi o pioneiro nessa afirmação - Ronaldo Fenômeno, Rooney e o intratável Ibraimovich também vieram com essa justificativa em passado recente. Mas o fato é que virou moda o cara explicar uma má fase, ou o não reajuste do contrato, ou uma crise com o técnico com o argumento de que 'não estou feliz'. Não acho que um atleta profissional, mesmo o de ponta, tenha toda essa consciência. Os problemas são mais mundanos mesmo - dinheiro, vaias da torcida, indiferença dos dirigentes. O cara quer é ser mimado sempre. Basta perguntar ao jogador que tem dificuldade de encontrar uma vaguinha no time se ele tem tempo de pensar se está ou não feliz...
Carles: Provavelmente não é a sua prioridade mesmo, mas a sensação de desequilíbrio pessoal relacionada com a insatisfação não é privilégio das grandes estrelas. Você não acha que deveríamos discutir, por um lado, o absurdo que possa ser que seres sociais receberam quantias desproporcionais por divertir-se num campo de jogo e, por outro, o atual estado de coisas nas relações do trabalho, as obrigações e a consciência sobre as próprias responsabilidade?… Não é por acaso que existe uma tendência a que o perfil de chefe favorito, incluindo os das equipes esportivas profissionais, seja o típico aspone, muito próximo ao capataz.
Edu: Os segmentos da sociedade que ainda sentem indignação com as aberrações nas relações trabalhistas - nos quais me incluo e a você também - discutem isso desde a Revolução Industrial, Carlão. Ok, precisamos mexer na sociedade, e muito. Falta ação e sobra debate…
Carles: O debate nunca sobra…
Edu: Como o futebol poderia ser diferente? Não acho que o sujeito que ganhe uma exorbitância no futebol tenha que ter mais ou menos consciência social do que o executivo de um banco internacional. Os dois são resultado das mesmas bizarrices do mercado. A diferença está em que um fez MBA, tem berço de ouro, bons cartuchos e ninguém sabe exatamente quanto ele ganha. Outro está ali todos os dias, de alguma forma dando a cara para bater - e de maneira muito mais transparente. Isso não é desculpa para a inconsciência social, lógico. Mas o jogador de futebol entra na selva com a mesma ganância que qualquer sujeito que traça como meta 'vencer na vida a qualquer custo’.
Carles: Ou seja, a resposta ao sofisma sobre a felicidade e a ignorância é simplesmente a ganância? Ou em todos os casos enquadrados no sistema vigente profissional, do executivo ao atleta, isso que costumamos chamar de infelicidade deve-se à perda de conexão entre a função real de cada um na sociedade e todas as outras, as que vão se colocando na mochila pelo caminho? E não pelo incômodo da carga, mas pela falta de sentido de ter que carregar esse sobrepeso.
Edu: Simplesmente a ganância? Não tem nada de simples. A ganância explica metade das coisas no nosso mundo e tem relação indireta com a outra metade. É uma justificativa Carlão, não uma explicação que me satisfaça... Onde você quer chegar exatamente?
Carles: Eu quero chegar onde já chegou faz tempo um monte de gente, não é nenhuma novidade, falaram disso Platão, Sócrates, Karl Marx, Engels e Charles Chaplin, em ‘Tempos Modernos’, enquanto apertava parafusos numa fábrica sem conhecer a finalidade daquilo. Não quero chegar a nada novo, senão refrescar o que muitos esquecemos todos os dias. E nada melhor que durante uma conversa sobre futebol.
Edu: Tenho a impressão de que estamos falando mais ou menos as mesmas coisas, mas vamos lá. Vou voltar aos jogadores de futebol e tentar sintetizar o que penso sobre a noção que eles têm de consciência trabalhista. Há tanta gente despreparada cultural e intelectualmente que fica difícil pinçar o futebol desse contexto. O futebol é a sociedade. É composto de gente do tipo que encontramos na sociedade. E ponto.
Carles: Em nenhum momento eu disse o contrário…
Edu: A diferença é que o jogador está mais na mídia, tem um certo status, que no fim das contas se revela frágil quase sempre, mas aí já é tarde, o mal está feito. Os defeitos e as poucas virtudes são comuns à sociedade. O futebol tem meio bilhão de trabalhadores no mundo. Outro bilhão e meio é composto das pessoas que vivem nesse entorno - famílias, consumidores, setores produtivos com ligação indireta. E há mais uns 2 bilhões que são meros adeptos, seguem sem muita rotina o futebol. Isso é uma megassociedade da qual os jogadores de ponta são uma minúscula partícula. Portanto, não representam uma classe especial embora considerem que sim, e devem ser cobrados como qualquer um de nós.
Carles: Bom resumo da nossa conversa. Estou de acordo: o futebol é parte da sociedade e uma amostra evidente dos seus mecanismos mais perversos (e dos menos idem). Outro ponto em que coincidimos: a diferença é que o mundo esportivo de alta competição está mais exposto que a grande maioria de contextos laborais. O que eu propus foi só um exercício simples e até lúdico de conscientização, aproveitando essa exposição diária do microcosmo esportivo fazendo uma projeção ao “mundo real dos mortais”. Ou seja, estamos basicamente de acordo (também não disse que não a isso, hehehe)
Edu: Que bom. Da minha parte encerro por aqui porque a essas alturas o leitor já se mandou para algo mais divertido em pleno Sábado de Aleluia.
Carles: Não teria por que, posto que o assunto aqui é ressurreição e essas coisas.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Baixo astral antes do primeiro teste


Edu: Temos aqui um perigoso momento de descrédito e falta de esperança em torno de quase tudo o que ronda o futebol brasileiro. E dificilmente a Copa das Confederações não será contaminada por esse pessimismo generalizado.
Carles: Uma pena, um torneio que precisa muito do entusiasmo do organizador. E, de todas as edições, esta parecia a mais prometedora, pelo nível dos participantes.
Edu: Pois é, seria um importante revitalizador em circunstâncias normais. Acontece que os problemas se multiplicaram. Há muito atraso nas obras, o que não seria novidade se, por exemplo, o principal estádio, o Maracanã, estivesse concluído no prazo previsto, dezembro de 2012. Mas a coisa vai ficar para a última hora e o Maracanã receberá o torneio sem testes Outros estádios, como os de Recife e Brasília, também estouraram prazos e, para complicar, o segundo maior estádio do Rio, que poderia ser uma alternativa de emergência, o Engenhão (construído para o Pan-americano de 2007), foi interditado por problemas na estrutura da cobertura.
Carles: Eu soube dos problemas com o Engenhão. De repente o Rio ficou sem um estádio importante. Mais ou menos previsíveis esse problemas com os cronogramas de obras de infraestrutura, parte da cultura. Por isso, fico pensando se a verdadeira causa do desânimo é esse ou o total divórcio entre a direção do esporte e a sociedade. Sinto que o torcedor não se sente representado nem pela sua federação, nem pelos times que cada vez menos têm a sua cara. E, pior, não vê perspectivas de mudança, se sente absolutamente impotente.
Edu: Acho até que atrasos em obras nem seriam tão destacados se o momento esportivo fosse mais animador. Tanto na Alemanha quanto na África do Sul, houve problemas na Copa das Confederações - talvez não tantos. Esse torneio foi criado para ser de fato um evento teste. Mas as dificuldades estão potencializadas pelo momento do futebol. A confiança nos dirigentes é frágil, a seleção vai de mal a pior, os torneios regionais estão desprestigiados, são pura perda de tempo. O torcedor não é idiota e não fica imune. O atual campeão brasileiro, o Fluminense, jogou ontem no Rio, pelo Campeonato Carioca, para um público inferior a mil pessoas!!! E O Campeonato Paulista é outro desastre: o Palmeiras perde de 6 a 2 do Mirassol. Onde estamos?
Carles: Falta capacidade organizativa, mas sempre faltou. O futebol brasileiro sobrevive há décadas à incompetência dos seus dirigentes. Foi pentacampeão em campo sendo pífio fora dele. Em cima da hora, não é difícil uma reviravolta esportiva, que um par de jogadores desabroche e lidere um time vencedor. Agora parece pouco provável, mas não seria a primeira vez que aconteceria. Se isso ocorrer você não acha que, mais uma vez, os problemas de estrutura e a corrupção iriam para debaixo do tapete? E seguiriam programando-se torneios inócuos e sem sentido, em prejuízo do torcedor?
Edu: Amenizariam bastante, porque sempre há setores que costumam magnificar pequenas conquistas. Mas não há mais como esconder os descasos que fazem o torcedor ser sistematicamente colocado em segundo plano. Tanto que até mesmo alguns clubes resolveram agir de forma autônoma, cuidando do seu feudo - e o futebol brasileiro que se lixe. Insisto: é um momento estranho, difícil de definir. E, por isso, perigoso. O mais interessante seria estar conversando aqui apenas sobre as coisas do jogo, de dentro do campo.
Carles: Imagino que jogar para 700 e poucos torcedores não deve ter tido muita graça para quem estava dentro de campo. A organização do torneio é tudo. Já falamos muito aqui de que a Liga Espanhola há alguns anos é coisa de dois, mas o torneio segue sendo emocionante, mesmo quando não está em jogo a liderança. E olha que tem muito dirigente por aqui, tanto nos clubes como na federação, esforçando-se muito para estragar tudo. Ou seja, o futebol é tão querido que parece ser suficientemente resistente à incompetência. Portanto, continuo sem entender a profundidade da crise por aí.
Edu: O futebol é extremamente resistente, o torcedor dá respostas positivas e manda mensagens todos os dias, quando há motivos para isso. Mas esse mesmo torcedor é implacável com o que é mal feito. E ainda é preciso aturar oportunistas que querem crescer nesses momentos - falamos outro dia de Romário, por exemplo, que já esteve a favor e contra o Teixeira, a favor e contra o Marin. Vai entender... Dependendo do que ocorrer na Copa das Confederações, eu diria até que pode significar a hora da virada. Os poucos dirigentes com noções de gestão podem tomar atitudes mais concretas, radicais se for preciso. Não deixa de ser uma luz...
Carles: Espero então estar escrevendo o post do dia 30 de junho, dentro de três meses, desde a arquibancada, vestido de "rojo" e diante da final da Copa Confederações tão esperada, Brasil e Espanha. Acho que isso levantaria os ânimos, ambos estão precisando. Só fica faltando o estádio.
Edu: Mero detalhe...

quinta-feira, 28 de março de 2013

‘La Roja’ quase de volta


Edu: Vi só meia hora do jogo e me pareceu estranho a 'Roja' ter que fazer um esforço imenso para reverter a situação, enquanto a França só arriscava raramente. Foi o tempo todo desse jeito?
Carles: Não, foi uma partida vibrante e bastante movimentada. Sem chegar a ser um exemplo de futebol, digno de uma copa do mundo. Ainda não vimos a melhor Espanha, o suficiente para reverter a situação no grupo das eliminatórias e recuperar a autoestima. Já a França pareceu-me que sofreu as típicas panes mentais que a caracterizam, como na última Eurocopa, quando foi desclassificada pela Roja sem demasiado esforço.
Edu: Só que desta vez achei a França, no pouco que vi, um time ao menos estruturado. E sabendo explorar algumas fraquezas do lado direito da Espanha, um tanto fragilizado pelo fogo amigo entre Piquet e Arbeloa. Mas o Deschamps errou feio ao não escalar de início o Didier Giroud. Era jogo para ele...
Carles: Não estou totalmente de acordo. Achei o esquema do Dechamps estático, antinatural para a França. Além disso, como a Espanha saiu com Pedro e Villa (mais Xabi Alonso bastante ativo nas jogadas diretas, sem tanto toque), acabou fixando os laterais da França, Evra chegou muito pouco. Quem iria cruzar as bolas para o "gigante" Giroud? O pequeno Valbuena demonstrou ser insuficiente, confirmou que a sua condição ideal é a de "revulsivo", entrando durante o jogo. O Ribery não esteve mal, mas pouco associativo.
Edu: Ribery é um bom servidor do Giroud e Valbuena fez isso muito bem na partida anterior das Eliminatórias (contra a Geórgia). Tem jogado muito e merece ser titular. Acontece que, com Benzema, o time pareceu sem profundidade, uma cena que vem se repetindo. De qualquer jeito achei nesses minutos que vi que Xavi, Iniesta e Monreal - além de Xabi Alonso bem lembrado por você - se desdobraram pelos outros. Xavi pareceu revigorado, querendo mesmo demonstrar liderança técnica. Pela imprensa espanhola, porém, quem não viu o jogo pode imaginar que perdeu um show de bola: 'Asi ganan los campeones! (Marca); 'Por algo somos campeones' (AS); 'Respuesta de campeón' (El País). A soberba de volta.
Carles: Ufanismo exacerbado, tem razão. Também é preciso reconhecer o mérito da equipe espanhola ontem depois de eles mesmos terem se metido nessa enrascada com os dois empates em casa. Não era fácil, eu mesmo não estava certo da vitória. Monreal fez sua melhor partida na seleção, demonstrou personalidade fazendo o jogo dele, muito mais previsível que o de Jordi Alba, mas confirmando que o problema da Espanha segue sendo a direita. Também no futebol.
Edu: Só que, ao contrário do PP de Rajoy, o Marquês me parece que terá, pela primeira vez, obrigação ter mão forte para desatar alguns nós. Arbeloa e Piquet é o primeiro; a falta de contundência de Villa, o segundo; e a hesitação sobre um esquema radical de toque, que no caso da Espanha poderíamos chamar de 'conservador' porque é o que o time tem feito, ou algo mais ousado. Acho que tipos como Cazorla e Navas merecem mais atenção. E talvez também o Michu, como alternativa de centroavante tradicional. Sem falar no Isco, que torço para ser titular o quanto antes, quem sabe em 2014 por aqui.
Carles: Isco vai ser titular mais cedo ou mais tarde. Se for mais cedo, sempre existe o risco de queimá-lo. Melhor para ele próprio ir entrando aos poucos e não em situações limite, como a de ontem, circunstâncias capazes de criar ídolos ou de enterrar craques. Quanto mais, uma promessa. Navas foi fundamental para segurar a França lá atrás no segundo tempo. O problema é que ele chegava sozinho e não tinha para quem cruzar. Vacilou o Marquês que ia colocá-lo no lugar do Pedro quando o canário do Barça fez o gol, decidiu tirar o Villa. Era o momento para ‘el Guaje’ com Jesus Navas em campo. Pedro estava cansadíssimo e meio contundido. Quanto a Piquet, não o vejo tão ruim assim. Sei que incomoda um pouco esse ar dele de autossuficiência catalã. Quero ver ele sem o Arbeloa para pajear.
Edu: Temos uma perspectiva bastante clara na Copa das Confederações: até segunda ordem, a torcida brasileira estará ao lado da Espanha, porque para o time nacional a expectativa é a pior possível. Adotar a 'Roja' é um ato de simpatia, nada mais que isso. Não será uma torcida fervorosa, mas um sorriso de canto de boca, sincero porém discreto, do tipo 'não falei?' Mas ainda acho que o time do Marquês precisa ter mais constância e não sofrer tanto para vencer por falta de finalizadores. Por outro lado, tenho a sensação de que a Itália será o grande time desse torneio.
Carles: Com mérito pela coragem de mudar, a Itália é a seleção com maior cota de evolução. Acredito e espero que a Espanha também evolua, não se acomode sobre um modelo vencedor. As mudanças apontam desde o grane inspirado Barça que já busca alternativas de jogo e variações. A possível confirmação do alemão Mats Hummels para as próximas temporadas mostra que os blaugranas buscam fugir da dependência do tiqui-taca. Hummels provavelmente será o substituto a curto ou médio prazo de Puyol para fazer o que Alonso fez ontem desde o meio campo, sem desfigurar o jogo medular dos catalães. Se der certo, é provável que esse jogo híbrido migre para a ‘Roja’.
Edu: Tenho a impressão de que, no caso da Copa das Confederações, vai depender muito da Champions, de até onde Barça e Madrid vão chegar e de como estarão os principais jogadores em junho. Se Xabi, Xavi e Iniesta chegarem aqui exaustos, temo pela 'Roja'.
Carles: Sempre tem a possibilidade de pedir emprestado o balão de oxigênio aos "hermanos".

quarta-feira, 27 de março de 2013

Pelo caminho das pedras


Edu: Aquele medo que tínhamos de que os pontas autênticos tinham sumido do futebol, principalmente na década de 1990, com a evolução dos sistemas de marcação que privilegiavam a centralização do jogo, parece que foi superado. Que grande time hoje não tem pontas de verdade?
Carles: Chegar ao fundo com velocidade, evitando adversários e fazer cruzamentos para que os atacantes possam receber de frente para o gol é virtude exclusiva de alguns futebolistas e possivelmente continuou presente todo o tempo. O que felizmente vai acabando no futebol e no resto das coisas é a especialização, a antítese da ambição.
Edu: Talvez seja essa a razão de a maioria dos jogadores, hoje, não se definirem exatamente como 'pontas-direitas' ou ‘pontas-esquerdas’ e sim como atacantes que jogam pelos lados do campo.
Carles: Pensando bem,  ter duas peças (o ponta-direita e o ponta-esquerda) entre um total de dez (os goleiros ainda não estão aptos, enquanto Guardiola não decidir) para fazer uma única jogada com leves variações, durante 90 minutos, era mesmo um desperdício.
Edu: O que não poderia ter acontecido - e aconteceu por um bom tempo – foi o fato de se abrir mão incondicionalmente do ponta, que era exatamente taxado de 'especialista' no pior sentido. Embora o ponta especialista ainda exista aos montes. Tem um caso claríssimo na 'Roja', o sevilhista Jesus Navas. E temos aqui uma das grandes promessas do futebol brasileiro, Bernard, do Atlético Mineiro. São extremos de ofício, que às vezes entram em diagonal, mas podem tranquilamente ser chamados de ‘pontas à moda antiga’.
Carles: Não me vêm à cabeça melhores exemplos. Modélicos da nova era do ponta mas que, para revigorar a posição, foram obrigados a oferecer mais aos seus treinadores e equipes. Vi o Bernard dar boas assistências desde variadas zonas do campo e o Navas jogar de interior, essa posição meio campista tão daqui, com considerável competência e qualidade. E se o tema é desperdício, seria bastante inútil desaproveitar a vocação deles para desempenhar uma função clássica e romântica numa época em que ganha mais quem oferece uma maior variação de jogo. Impossível falar de pontas autênticos e esquecer dois nomes: um pela direita, o maior de todos, praticamente inventor da posição, o Mané. Consagrado como driblador veloz e cruzador, mas quem o viu jogar lembra que quando fez outras funções mostrou o porquê de continuar sendo considerado um dos grandes da história do futebol. Pela esquerda, Jonas Eduardo Américo, o Edu do Santos, fantástico, sensacional, mesmo torcendo por outras cores, eu esperava ansioso que a bola chegasse naquele ponto do campo. Porém, convenhamos: era o típico monocórdio, não?
Edu: Era monocórdio e ganhava jogos. Nos casos de Edu e Mané, ganhavam campeonatos. O importante que considero na figura dos pontas é a importância fundamental de ocupar um pedaço do campo que costuma ser vital em partidas difíceis, com poucas chances de gol, envolvendo times com esquemas mesquinhos de jogo. Quantas vezes uma jogada prosaica de linha de fundo, com cruzamento rasteiro para trás, não decidiu um jogo complicado? E aí nem depende dos nomes, qualquer um pode fazer. Um técnico que se preze nunca pode deixar de incluir esse tipo de lance em seu cardápio de prioridades. Seria burrice.
Carles: Burrice recorrente, diga-se de passagem, porque quem tem, tem medo. Grande parte dos treinadores prefere assegurar o emprego, protegendo determinadas zonas, a permitir que o seu time tenha essa profundidade essencial.
Edu: Pois então que os técnicos brasileiros se liguem, meu amigo. Felipão especialmente. Há muito que o Brasil vive de laterais ocupando as pontas - desde os bons tempos de Cafu e Roberto Carlos. Por outro lado, mesmo times que não têm pontas de ofício, como Corinthians e Fluminense, sempre situam atacantes por um ou pelos dois lados. E tem dado certo. É muito básico para que os treinadores ignorem essa possibilidade.
Carles: E é bom lembrar esses treinadores (apesar de que eles, como gestores de um grupo humano, deveriam saber disso melhor que ninguém) que abrir mão da especialização deve ser compensada pela multifuncionalidade. No caso, altamente recomendável, de não adotar peças fixas por essa zona, a ocupação deve ser ora pelos atacantes, ora pelos meio campistas, ora pelos laterais, sob o risco de cobrir a cabeça do santo para descobrir os pés ou, na melhor das hipóteses, perder o fator surpresa. O certo é que, cada vez mais, reforça-se a ideia de que pode até não ter ponta tradicional, mas técnico inteligente é, cada vez mais, imprescindível.

terça-feira, 26 de março de 2013

Boleiros comentaristas: que medo!


Edu: Michael Robinson, que lembro ter sido um atacante meio tosco, mas ídolo no Osasuna (e antes no Liverpool), até que fazia algumas observações táticas interessantes como comentarista do Canal+. Ele continua comentando?
Carles: Sim, continua no Plus e também na Cadena Ser. Tenho minhas restrições, mas prefiro decifrar o castelhano dele a ouvir as observações do Casão ao lado do Galvão.
Edu: Antes o maior problema nosso fosse o Casagrande...
Carles: Mas é uma pena que nada nem ninguém funcione ao lado do Galvão Bueno. Por aqui, temos as aparições recentes do Kiko Narváez e Santiago Cañizares, entre outros. Pegou a moda do comentarista boleiro, nem sempre  a melhor solução.
Edu: Julio Salinas saiu de cena?
Carles: O Salinas ressurge das cinzas em raras mesas redondas, pós-jogo, mas é pouco frequente, não faz falta, para dizer a verdade.
Edu: Parece que não é moda somente por aqui. A emissora oficial do esporte norte-americano, ESPN, tem mais atletas do que jornalistas comentando. O maior problema não é o reducionismo corporativista de dizer que um jogador de futebol, teoricamente despreparado, está tomando o lugar de um jornalista. Mesmo porque o fato de ser jornalista não é garantia nenhuma de capacidade de análise ou de interpretação do jogo. O problema mesmo é até que ponto esses ex-jogadores acrescentam algo a uma transmissão, seja tecnicamente, seja como atração televisiva pura e simples.
Carles: A maioria não acrescenta nada. A presença deles responde à tática midiática de que alguém, ex-jogador de determinado clube e claramente parcial, diga o que o torcedor gostaria de dizer. Na Televisión Española, emissora estatal, costumam escalar um ex do Madrid e outro do Barça para comentar. Dependendo do andamento da partida, vira bate boca de botequim, que só me causa vergonha alheia. Em jogadas visíveis e claras, repetidas até a exaustão pelas numerosas câmeras para quem está assistindo pela televisão, os tais comentaristas-torcedores chegam ao ridículo de negar a evidência quando é contra o seu clube.
Edu: Episódios de vergonha alheia são recorrentes nesses casos. Vejo caras que efetivamente fizeram história no futebol brasileiro, como Neto, Muller, Careca e muitos, em situações que beiram o limite do bizarro, uns porque não conseguem articular, não têm repertório para construir uma ideia lógica, nem vocabulário suficiente, outros porque ficam amarrados pelas necessidades das empresas que estão servindo. Mas o curioso é que a febre se espalhou de tal forma que, hoje, não há emissora que não inclua um ex-jogador em seu menu. E não sei se as emissoras fazem alguma pesquisa junto aos seus telespectadores para detectar essa necessidade. Por isso te digo: Casagrande ainda é um que diz algumas coisas minimamente interessantes, conhece um pouco sobre tática e não tem aquela cosmética global, como o Caio Ribeiro, por exemplo, com sua irritante obviedade politicamente correta. Perto dos invertebrados, Casão é um gênio.
Carles: Na verdade, reclamei do Casão ao lado do Galvão Bueno. Tenho a impressão que ele muda, não por medo nem por nada do estilo, mas sabe que um bate boca com o velhão só traz prejuízo e pode incluí-lo numa situação ridícula, frequentes na vida do narrador. É só uma impressão, não tenho acompanhado ultimamente as transmissões da Globo.
Edu: Tem razão. Ao lado do cacique sempre é perigoso tomar uma traulitada ao vivo..
Carles: Neto e Muller com a palavra, você disse? Que medo!!!!
Edu: Uma das explicações é obviamente financeira. Muitos desses caras usam as amizades que têm na mídia para descolar um bico e ganhar uns trocados em cima do antigo prestígio (??). Estão na deles, não entro nesse mérito. E alguns trazem audiência, como é o caso do Neto. Mas muitos deles só justificariam um microfone nas mãos ou um blog se tivessem algo a declarar. Ou então, como ressaltou uma vez o velho Robinson, em uma entrevista ao John Carlin: 'Sou bem melhor como comentarista do que fui como jogador de futebol'. Aí se justifica. Só que estamos longe de ter um Robinson por aqui. Ou um Gary Lineker, com tem a BBC.
Carles: Grande Lineker! Também não seria difícil para o Robinson fazer qualquer coisa melhor do que ser o jogador que foi. Na verdade, fiquei um pouco cabreiro com ele depois de saber como trata os colaboradores quando a luz vermelhinha da câmera se apaga, mas você tem razão que ele dá uma certa elegância à transmissão. A opção dos dirigentes dos meios de comunicação é mesmo deixar a telinha o mais próximo possível de um galinheiro. Será que não tem volta nessa história? Qual a chance de alguém querer se diferenciar da concorrência pela qualidade?
Edu: Good question, como diria o próprio Robinson.

segunda-feira, 25 de março de 2013

De Owen para Ganso, a lição


Edu: Lendo na última semana sobre a aposentadoria de Michael Owen, aos 33 anos, foi impossível não fazer um paralelo entre o início fulminante da carreira dele e a do Paulo Henrique Ganso, que tem 23 e já parece um veterano - mas no mau sentido.
Carles: Só 23? Impressionante como o futebol de alta competição obriga essa molecada a abreviar toda uma vida em uma única década, na maioria dos casos. Vivem, ainda muito jovens, momentos que muito cara vivido teria dificuldades em enfrentar. O que convém mais a um jovem desses, ser inconsciente ou sólido?
Edu: Pois é, aí entra a questão da supervalorização antes de que o cara esteja pronto, perto da graduação, saiba um pouco mais da vida. O Owen marcou aquele gol impressionante contra a Argentina em uma Copa do Mundo (1998). Tinha 18 anos e imediatamente foi elevado a uma categoria de extraterrestre. Ganso fez dois campeonatos paulistas de altíssimo nível, comandou o Santos e, a rigor, foi tão ou mais importante do que Neymar. Então é inevitável: o que normalmente vem pela frente é excessivo para um garoto desses. Não existe história mais manjada no futebol, mas a turma continua entrando nessa onda.
Carles: Existe um caso por aqui, com grande potencial para virar ídolo, mas que, pela tenra idade, também é uma incógnita. É o francês Raphael Varane, jovem central do Real Madrid que aos 19 anos é a nova sensação da Liga e amanhã jogará seu segundo jogo como titular da sua seleção nacional. Dizem que quando ele e o pai estavam conversando com a diretoria madridista para fechar a sua vinda, quiseram saber informações detalhadas sobre as universidades da cidade. As entrevistas de Raphael, apesar da dificuldade do idioma, são verdadeiras aulas de maturidade e até de retórica para muito jogador da terra. Eu arrisco e aposto que vai ser um grande jogador e não só pelas suas condições técnicas em campo. Talvez seja uma pista para jogadores como o Ganso ou outros que não conseguiram administrar as reviravoltas nas suas vidas.
Edu: A questão da maturidade, claro, tem tudo a ver com a formação familiar do cara. E aí são expostas as grandes diferenças entre os casos de Owen e Ganso, que podem ser ilustradas também pela trajetória do Varene. Owen jogou em times como Liverpool, Real Madrid, na época dos galácticos, e Manchester United. Foi reserva na maior parte do tempo em que esteve na Espanha, porque o time era cheio de feras, e ficou quase três anos praticamente no banco do Manchester. Ao que parece, nunca tirou os pés do chão (mesmo quando ganhou a Bola de Ouro em 2001), nunca esbravejou porque sabia de suas limitações. Ganso, ao contrário, achou que era um jogador acabado porque tinha vencido dois campeonatos regionais, era solicitado pela imprensa na Seleção, imaginava que conquistar a Europa era questão de semanas. O garoto da periferia de Belém do Pará que uns dias depois era celebridade nacional foi pessimamente orientado. Vieram sucessivas contusões, que podem acontecer com qualquer um, e nunca mais se viu o Ganso, mesmo depois de se transferir para o São Paulo por uma bagatela (24 milhões de reais). O temperamento afundou o cara, ao contrário do Owen, que nunca se deslumbrou. E Varene, ao que parece, também está em outro patamar.
Carles: Tem ainda outro exemplo por aqui, com algumas semelhanças ao do Ganso, Sérgio Canales, jogador que há três temporadas deslumbrou toda a Espanha jogando pelo quase sempre medíocre Racing de Santander. Menino bonitinho, o Canales desfrutou do acosso das fãs e foi festejado pela imprensa como o novo Beatle da liga. Imediatamente o Real Madrid sacou o talão de cheques e foi buscar o craque. É certo que as contusões sérias nunca deixaram o rapaz em paz, mas, como muitos jogadores encostados no time da capital, acabou contratado, na baixa, pelo falido Valencia. Depois de um início fulgurante, Canales nunca voltou a ser o mesmo. Outros casos como o de Javi De Pedro, jogador do último time célebre e quase campeão da Real Sociedade que também foi muito festejado e acabou indo para a Inglaterra. Sua carreira foi murchando, murchando até acabar de forma anônima em times de segunda e terceira divisões.
Edu: Se de um lado tem essa questão da supervalorização - lembro bem de outro caso daí, Julen Guerrero, do Bilbao -, esses padrões de promoção assoberbada de jogadores, como os do Real Madrid, são o outro lado da moeda: como queimar um garoto no próprio berço. É um imenso desperdício porque os clubes e técnicos confundem proteção com orientação. Para eles o que importa é blindar o garoto, afastá-lo das mulheres e das noitadas. Nunca pensam em orientação profissional e capacitação pessoal. Aliás, os dirigentes é que normalmente precisam de orientação psicológica antes mesmo que os jogadores. Sem falar nos técnicos, muito deles notórios esquizofrênicos, maníacos por disciplina militar.
Carles: O Julen nunca representou o modelo de jogador que eu destacaria, mas tenho que reconhecer as dificuldades adicionais que ele viveu como ícone de uma sociedade como a basca, num momento em que a tensão política e a pressão sobre todas as figuras destacadas de Euskadi eram quase insuportáveis. Chegou um momento da carreira de Julen em que todos davam como certa sua saída para outros clubes dos grandes centros. Mas isso naquela época era inadmissível para uma figura como ele, de alguma forma implicado com a causa da região. Nunca se soube até que ponto isso rompeu a carreira dele ao meio, causando uma visível decadência. Também não sabemos em que medida ficar em Bilbao foi uma decisão própria ou devido às pressões.
Edu: Nesse caso é mais um componente para ter peso definitivo da trajetória do jogador, que além de tudo tem que tratar com a família, os agentes, o entorno associativo, coisas que Guerrero, um símbolo em Bilbao, deve ter sentido na carne. Mas que fique claro, hein Carlão: o jogador não é santinho, faz uma série de bobagens pessoais e precisa aprender a pagar por elas, ter responsabilidades como o vizinho da frente, como qualquer cidadão. E é capaz de fazer besteiras mesmo sendo, no todo, um bom moço. Ganso nunca foi indisciplinado, mas subiu nas nuvens, tornou-se um cara acima das críticas, simplesmente desprezou seu futuro. Gostaria de estar enganado, mas não vejo remédio para ele.
Carles: Mas acho que estamos falando disso o tempo todo, de como cada um é capaz de assimilar tanto os momentos de glória efêmera como os momentos de aparente decadência. E tudo isso tendo em conta o entorno familiar, social e político.
Edu: Falamos disso porque o futebol é isso.
Carles: Talvez o ambiente em que as certezas sejam mais efêmeras. Dureza para a molecada, meu amigo.

domingo, 24 de março de 2013

Futebol e tradições distorcidas


Carles: Sei que a sua visão do futebol é bem romântica, então imagino que você nunca estaria de acordo que ele é um dos mais poderosos instrumentos de colonização, corruptor de identidades, não é?
Edu: Acho exatamente o contrário quanto a identidade. Sobre colonização, eventualmente concordo.
Carles: A minha pergunta se deve a que, segundo uma pesquisa realizada pela Facultad de Comunicaciones de la Universidad de La Habana, a maioria dos cubanos menores de 40 anos mostraram maior entusiasmo com o futebol do que com o beisebol, tradicional esporte daquele país. Qual deles estaria mais ligado à identidade cubana? Sem dúvida o futebol foi adotado pela indústria cultural para ser um produto globalizado, de fácil assimilação e consumo. Mas o beisebol poderia ser uma clara influência norte-americana, responde ao típico modelo esportivo ianque, fundamentado na atividade física, mas sob uma estratégia quase de tabuleiro.
Edu: Você disse tudo: o futebol 'foi adotado' pela indústria e não 'nasceu' para ser indústria. Defendo há muito tempo a ideia de que existem dois tipos de futebol, o 'essencial' e o 'de mercado'. O segundo não vive sem o primeiro, mas o primeiro continuará sobrevivendo sempre, tem vida própria, independente do que o mercado possa fazer.
Carles: Então você concorda com a hipótese da minha primeira pergunta… o futebol é (ou pode ser) um poderoso instrumento de distorção das identidades e das raízes. Impositivo, na medida em que se possa considerar invasivo, como todo convencimento através da massificação.
Edu: Massificado e, portanto, invasivo, talvez. Mas não vejo necessariamente como instrumento de distorção de identidades. O futebol pegou onde havia identificação com um esporte de tonalidade popular, ou seja, alguma ligação de raiz, cultural. Por que você acha que o futebol até hoje não pegou em lugares como Estados Unidos, Canadá e parte do Caribe, ou mesmo na China, em que pese a fortuna despejada para sua massificação nesses lugares? Não é um problema cultural, de identificação? Não é uma barreira de raiz? Se o futebol massificado, ou futebol de mercado, não dependesse da identificação, os Estados Unidos seriam o país com maior número de praticantes se levarmos em conta as muitas tentativas de se forjar aquele mercado. Acontece que, ali, falta a essência.
Carles: Vai pegar, vai pegar, não se preocupe. É claro que as aptidões naturais facilitam a implantação, além de outros fatores. O futebol é simples de seguir, não tanto de praticar, por isso pode ter sido o grande escolhido. Quanto aos norte-americanos, seguramente, não se consideram suficientemente populares para o "soccer", que claramente menosprezam, como uma prática menor. Contudo é inegável que existem focos pelo país, ligados às colônias europeias e latino-americanas, que sustentam a escassa prática do futebol por lá. Nesse caso segue havendo uma conexão com as raízes culturais. É um nítido caso de resistência à imposição, valendo-se justamente do futebol (ou soccer).
Edu: Claro que existem focos, e muitos. O futebol feminino ali é um dos mais desenvolvidos do mundo. Mas, Carlão, é muito complicado ser tão artificial como você está dizendo e dar certo, digamos, tecnicamente, trazer resultados e, portanto, a visibilidade que impulsiona o mercado.  Agora, é claro que o futebol tem mais chance de pegar e talvez essa seja a razão que ajude a explicar a sua tese do início da conversa, sobre Cuba. Mas pense na América do Sul do início do século XX. O futebol chegou aqui por uma via colonialista, os ingleses. Aqui, na Argentina, no Uruguai. Era uma prática elitista, porque ninguém sequer conhecia as regras, a não ser os estudantes privilegiados que passavam pelas escolas britânicas. Por que pegou no povão? Por que não ficou restrito à elite? Por imposição cultural? Por causa de algum marketing rudimentar que existia então e nós desconhecemos? Claro que não. Pegou porque o pessoal descobriu uma manifestação com a qual se identificava. Ao contrário, aos poucos, a elite é que foi sendo excluída e se tornou cada vez mais minoria nesse esporte.
Carles: Sem dúvida que então houve uma maior propensão à aceitação. A indústria cultural engatinhava. Talvez possamos considerar a imitação como motivadora ou a tentativa de ascensão social já que era o esporte das elites. Mas eu não discuto a fascinação que o futebol desprende. Isso é inegável. O crescimento na América do Sul tem pouco ou nada de impositivo. Faz parte da gênese de um esporte que nasce na Europa, mas que alcança a puberdade, fase em que desabrocham a curiosidade e a criatividade, no continente americano. Poderíamos dizer que é um ressurgimento ou reinvenção sem o qual o futebol não seria o mesmo. Poucos negarão que é o maior esporte de todos os tempos. Eu não me atrevo a negar essa evidência. O problema é que ele desloque tradições e obstrua a possibilidade de que jovens conheçam a prática poliesportiva e possam escolher dentre a pluralidade. Isso acontece mais em alguns países que em outros.
Edu: Nesse caso, vejo uma dinâmica natural e legítima, embora seja de se lamentar. Claro, o garoto que conhece só o futebol pode ter deixado de ser um excelente nadador ou praticar  outro esporte mais 'saudável'. Mas qual é a solução para isso? Se os sistemas educacionais funcionassem de uma forma mais plural - e nesse ponto os americanos sabem fazer -, os esportes seriam ensinados na escola, no mundo inteiro. Talvez seja a única saída. Talvez...
Carles: Nas escolas, nos centros culturais e esportivos municipais de cada bairro. Não sou contra o futebol, mas defendo a mesma oportunidade para que os moleques conheçam e possam se apaixonar por outros esportes. Provavelmente, ainda assim o futebol teria todas as chances e ser o vencedor. Um justo vencedor.
Edu: Me parece que o romântico aqui é você. Mais você...
Carles: Nunca neguei.

sábado, 23 de março de 2013

O ‘efeito Mou’ na Seleção de Del Bosque


Edu: Fiquei impressionado como todos os jornais espanhóis, tanto os festivos como os mais sérios, só falavam nesse jogo contra a Finlândia como 'partido de trámite'.
Carles: Sabia que seria complicado, mas não tanto. Pensei em 1 a 0, 2 a 1 ou na pior das hipóteses 0 a 0, mas depois de fazer 1 a 0 tomar o empate foi falta de concentração, bobagem do Marquês, mais do que ninguém. Não manteve a tensão. Inclusive com as alterações mandou um recado, de "ya está", poupemo-nos para Paris.
Edu: Manter a tensão não é das principais virtudes do Marquês... Pareceu uma certa soberba
Carles: Exatamente. Teve um lance curioso ontem: no 1 a 1, excepcionalmente ele tentou dar ordens e esbravejar desde a lateral. Os jogadores começaram a se olhar entre eles e fazer uma cara de "o que ele está dizendo?". Pedro não sabia onde se posicionar e acabou, durante um ataque espanhol, ele, um atacante, indo para perto do Del Bosque para que ele explicasse. Nenhuma partida é de trâmite, nunca! Del Bosque deveria saber (de verdade!) disso.
Edu: Del Bosque esbravejando ao lado do campo não tem nada de  natural. Dá a impressão de ser uma encenação para a torcida e para a imprensa. Tipo 'fiz o que pude'.
Carles: Não, não, desespero nitidamente. Ué, o desconfiado não sou eu, sempre?
Edu: Tenho um pouco esse direito. Não só deveres.
Carles: Claro (vamos fingir que sim). Vitimismo catalão.... hummmmmmmm
Edu: Nas últimas aparições públicas o Marquês tem mostrado uma nova cara. Fez um discurso um tanto ácido dirigido ao Mourinho no Brasil em janeiro. Depois mandou outros recados e indiretas capciosas. E na véspera desse jogo contra a Finlândia disse que não via problema em se dar bem com a imprensa, como se tivesse respondendo a alguém (Mourinho outra vez?). Agora fica furioso à beira do campo. Onde está aquele impávido ‘salmantino’ que transpira racionalidade e autocontrole? Temos um Marquês reciclado.
Carles: Imagino que as suspeitas levantadas por Mourinho sobre os votos ao melhor treinador da FIFA não o tenham deixado cômodo, por muito que procurasse demonstrar tranquilidade e indiferença. Mou conseguiu desestabilizar a ‘Roja’, sem dúvida, através do seu líder. E de Ramos, Casillas…
Edu: Que poder tem esse português!
Carles: Não sei se tem, mas a sua especialidade são os dardos envenenados. Via microfones. Sobre isso não tenho nenhuma dúvida.
Edu: Para desestabilizar até o Marquês é porque incomoda mesmo. Mas é de se estranhar o jeito de ser do espanhol (e não só o Marquês), tão orgulhoso de suas idiossincrasias, ser abalado por esse cara...
Carles: Se a abordagem for psicossocial, vamos lá… Generalizando, é característica dos "mansos" engolir e, como consequência, com o tempo, revelarem-se ressentidos. Imagino que Del Bosque pertença a essa categoria. Às vezes, detecto nele certa melancolia, um certo vitimismo resignado que se confunde com elegância. Não nego que ele seja um cara cortês, mas tantas faces para dar às bofetadas, frente às adversidades, me fazem duvidar. Ninguém é tão plácido, realmente.
Edu: Dá a impressão de ele ser cobrado sistematicamente por essa postura muito plácida.. Pode ter sido uma reação a isso também. Aí transfiro a desconfiança para você. Será que essa campanha dirigida pelo Mourinho faz parte de uma artimanha mais elaborada, plantada pelo Jorge Mendes? O que a dupla lusitana ganharia desestabilizando a ‘Roja’? É só por causa dos votos que elegeram o Marquês na Fifa?
Carles: Sigo insistindo que me pareceu uma reação humana, de desespero. Sentiu-se contra a parede, pelo questionamento dos votos que ele recebeu e pela situação delicadíssima em que o gol da Finlândia colocou ‘La Roja’. Imagine se a campeã não chega ao próximo mundial? Quanto à possível conspiração lusa, não acredito, demasiada frieza e inteligência para o superagente Mendes.
Edu: Mourinho tem tanto ódio dirigido aos espanhóis que, do alto de sua esquizofrenia, própria de um cara com tamanho ego, tem claramente um propósito destrutivo em tudo que diz - e desta vez o alvo é o Marquês, via Fifa. Obviamente que se trata de uma insegurança pessoal que desata esse mecanismo de defesa, partir destrutivamente para o ataque.
Carles: Estamos de acordo, ele está se sentido desprezado pelos espanhóis, quase ninguém na imprensa lhe dá apoio, atualmente. E dentro do vestiário é evidente a ruptura com o grupo de espanhóis. Se bem que a gota d'água foi o afastamento do treinador de jogadores do outro grupo, que tinha o Marcelo, e definitivamente, de Cristiano Ronaldo. Tudo começou ao romper com o grupo de espanhóis e isso divide o vestiário, mas o ar ficou irrespirável quando ele se afastou de Cristiano Ronaldo. Faz quanto tempo que você não ouve uma entrevista de um falando do outro? A sensação é de que ele está brigado com o mundo. Imagino que Mendes ganha muito com essa fórmula de atrito, mal estar, rescisão de contrato atual e um novo, com outro grande clube, não? A fórmula é assim de simples, como na história que o caboclo que vendia um animal, este quebrava tudo, a cerca, e voltava ao antigo dono, que podia revendê-lo.
Edu: Evidente que o Mendes ganha sempre. E é bom lembrar que estamos no mesmo barco: Felipão é parte dessa turma. É peixe do Mendes e vive elogiando alucinadamente o Mou. E não dou 24 horas para ele, na primeira oportunidade, vir dizendo com aquele seu poder de articular ideias originais: “Tá vendo? Vocês vivem falando da Espanha? Olha aí o que aconteceu."
Carles: E olha que o Felipão foi o último a demonstrar certo carinho com o Marquês em público, justamente na entrega do polêmico prêmio.
Edu: Mas aí ele era um funcionário graduado da CBF fazendo de anfitrião. Tinha que agradar a chefia.