quinta-feira, 6 de junho de 2013

Do pedestal para a vida real


Edu: Apesar da sua meia porção brasileira, você também é daqueles que ficaram um tanto chocados com o barulho feito pelo séquito do Neymar, né? Como seus conterrâneos...
Carles: Não sei se a palavra exata é "chocados". O pessoal andou achando engraçado, mas por enquanto é tudo alegria e vale tudo. Quero ver se, ao primeiro sinal de baixa produção, todas essas excentricidades não começarão a disparar as críticas. Já vi esse filme. Outro aspecto é que a comitiva do Neymar, assim como ele, parecia um grupo de adolescentes chegando a uma festa vespertina de aniversário. Nenhum sinal de prepotência, por isso, a maioria das impressões foi de grata simpatia. Os mais meticulosos detectaram que se trata de um grande produto de marketing. Não lhes nego a razão.
Edu: Foi a impressão que eu tive - essa, da 'descontração do bem' -, lendo os jornais esportivos da Catalunha, que são tão especialistas em espuma quanto os de Madrid. Mas fora de Barcelona já viram algo de semelhante ao entorno de Ronaldinho Gaúcho, que terminou sendo bem nocivo nos últimos tempos de Barça. Mas é preciso deixar bem claro que uma coisa é o staff e outra, o séquito.
Carles: E no caso de Neymar?
Edu: Neymar tem séquito e staff, que se dão bem, todos, e estavam por aí na apresentação. Mas quem vai acompanhar o Neymar em sua aventura catalã real é o staff direto - a família, um ou outro assessor e seu 'faz tudo' pessoal, Eduardo Musa. A moçadinha que foi fazer festa será eventual. Nesse ponto, Neymar tem uma vantagem em relação ao Gaúcho, que, na minha visão, foi muito prejudicado pelas posturas do irmão, um sujeito um tanto instável para ser representante oficial, na verdade, tão adolescente e deslumbrado quanto o próprio Ronaldinho. Por outro lado, a família do Neymar não pode ser mais politicamente correta do que é.
Carles: E por falar em musa, a consorte já chegou causando algum burburinho na arquibacada.
Edu: Fiquei sabendo, mesmo.
Carles: Não posso evitar enxergar o outro lado dessa questão. O de um garoto qualquer de 21 anos que emigra por questões profissionais, e que compensa o distanciamento das próprias raízes com a possibilidade de novas descobertas, de um maior desenvolvimento pessoal graças ao conhecimento de outras culturas. Sei que no caso de uma megaestrela do futebol até parece um delírio, mas é uma pena que eles não tenham a oportunidade de se integrar de verdade, limitados pela presença permanente de um enorme ‘backstage’. Sinal dos tempos. Que eu me lembre, quando Raí jogou no PSG, ele ia treinar de metrô. Poucas chances de encontrar o Neymar na ‘Línia Taronja’ do metrô de Barcelona, né? Funciona muito bem.
Edu: Nenhuma chance. Só que vejo uma outra diferença fundamental em relação ao padrão de estrela superprotegida: o próprio Neymar. É um cara bem ligado, nada de politizado, mas ligado no ambiente em que vive. Se você descontar o período normal de adaptação que qualquer um de nós teria que passar, a integração vai depender diretamente do trabalho dele, da recepção dos colegas, dos sinais sociais que ele for recebendo. Há três anos, quando Neymar tinha 18, teve uma discussão áspera em campo com Dorival Jr, então técnico do Santos. Foi uma postura bastante arrogante do garoto. Naquela noite, Renê Simões, que era treinador do Atlético de Goiás, rival do Santos no jogo, fez a famosa declaração: 'Estamos criando um monstro'. O próprio Neymar, conforme as coisas foram caminhando e diante da repercussão negativa de sua atitude, encarregou-se de mudar essa imagem a tempo, claro que com forte apoio familiar. Mas de certa forma desconstruiu rapidinho o possível rótulo de arrogante e prepotente. Foi uma vitória pessoal e tanto para um menino quase imberbe, num momento de forte adversidade, que poderia definir o destino da carreira dele.
Carles: Neymar, pelo seu caráter e pela sua condição de candidato a mito, pode ilustrar bem a mais contemporânea das lutas interiores, presente sobretudo nos astros do esporte mundial. Como há um tempo aconteceu com Rafa Nadal que, apesar de negá-lo publicamente, esteve se debatendo entre permanecer no pedestal que staff e patrocinadores trataram de construir sob seus pés ou descer de lá para se divertir como qualquer moleque faria. Em muitos desses casos, sinto que a arrogância acaba sendo como uma capa protetora contra a humanização, uma debilidade que, parece, eles não podem se permitir.
Edu: Nadal é um desses astros que parece ter mergulhado de uma forma tão brutal no aperfeiçoamento técnico que as outras atividades viram uma rotina perfeitamente suportável. A diversão é o melhor argumento para justificar a dedicação profissional. Tivemos um ídolo brasileiro com perfil bastante semelhante, Émerson Fittipaldi, um sujeito que nunca se transformou com a ribalta em função de sua profunda veia profissional, sua procura pelo aperfeiçoamento. Por isso digo que Neymar tem que se dedicar com tanta ênfase ao trabalho e à superação das muitas dificuldades profissionais e de integração que virão, para que esse entorno platinado não seja nefasto.
Carles: A prova definitiva disso tudo começa no próximo 2 de agosto, primeiro dia do resto da vida de Neymar.

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